Arrancou a segunda vida da Casa do Conto, hotel que quer ser também espaço cultural
Dois anos e três meses depois do incêndio que a destruiu, a Casa do Conto está recuperada. Em betão, mas com o século XIX lá dentro, a casa terá programação cultural a partir de Setembro
Nos tectos de betão dos seis quartos da Casa do Conto há mensagens gravadas em jeito de memória que não se quer perder. A abertura ao público da casa - espaço de residência e arte - dá-se em Julho, mas, quando os primeiros hóspedes entrarem, não será num espaço vazio de história.
O dia 6 de Março de 2009 amanheceu com sirenes: um incêndio consumia fatalmente o número 703 da Rua da Boavista. Arde a escadaria central, majestosa, as madeiras trabalhadas, o requinte de uma casa burguesa do século XIX. Davam-se os últimos retoques na recuperação do edifício, colocava-se o mobiliário. Faltavam 15 dias para a inauguração. Vida interrompida.
Da casa do século XIX "não restou quase nada", lembra Alexandra Grande, proprietária do espaço: "Apenas as fachadas, da frente e de trás". Isto, corrige Alexandra Grande, "fisicamente falando". É que a memória do que existia antes das cinzas não se perdeu. Foi ela, aliás, o "ponto de partida" para a segunda fase do projecto, um misto de "loucura e obsessão", como a proprietária gosta de chamar.
Nos escombros do incêndio, percebia-se ainda a estrutura de madeira remanescente. E agora, dois anos e três meses depois, continua a perceber-se o mesmo desenho oblíquo por baixo do betão que reergueu a casa. É uma espécie de "arquitectura fóssil", que deixou cravado o século XIX, que deixou gravado um objectivo que teimosamente não caiu - "do betão poroso aos sonhos", como se lê numa das mensagens desenhadas nos tectos.
Definir este projecto não é fácil: "Não é bem um hotel, não é bem uma residência, não é bem uma guest-house, é uma casa", arrisca Alexandra Grande. Preparada para receber quem queira conhecer o Porto e a sua cultura - e permanecer. Na Câmara, este projecto pessoal do casal Alexandra e Nuno Grande, que investiu 800 mil euros nele, foi registado como "turismo de habitação".
São 600 metros quadrados divididos em cinco pisos e apenas seis quartos - todos em betão, mensagens escavadas no tecto ("Não era bem voar. Era pelo menos ficar suspenso num ponto alto"), confortáveis no minimalismo e linhas perfeitas, alguns com varandas, outros com uma minicozinha. É um espaço adequado para "residências artísticas" e, acredita, receberá "sobretudo estrangeiros" e "empresários com passagens prolongadas pela cidade". Para serviços de hotelaria básicos, os preços variam entre os 100 e os 150 euros, mas quem quiser, vai poder até "reservar a casa toda". Nos dois pisos comuns, estarão as surpresas que Alexandra Grande não quer ainda revelar. O que se sabe: haverá programação cultural ("música, cinema, artes performativas e plásticas") a partir de Setembro. A casa estará aberta a propostas de artistas e terá um pequeno restaurante e sala de estar.
Na fachada do número 703 da Rua da Boavista, o desenho de outro século permanece: batente de ferro e uma placa a recordar uma antiga numeração - "foi 513". Lá dentro, de novo nos tectos, a convicção de quem os ergueu: "Agora é para sempre".