Pressão da banca e das agências de rating levam Governo a pedir ajuda
Depois de meses a dizer que Portugal não precisava de ajuda financeira, José Sócrates concluiu ontem que havia uma “ameaça real” ao financiamento do Estado.
A banca e o agravamento da pressão das agências de rating sobre Portugal foram os factores que levaram o primeiro-ministro, José Sócrates, a decidir ontem avançar para um pedido de ajuda financeira à União Europeia - um gesto que sempre quis evitar.
O anúncio que Sócrates fez ontem à noite ao país abre um novo ciclo no qual o Presidente da República desempenhará um papel de mediador entre o Governo e o principal partido da oposição, o PSD, e no qual as negociações com Bruxelas decorrerão num quadro totalmente novo à escala da União Europeia.
O primeiro-ministro teve nos últimos dias várias conversas privadas com banqueiros. A "aflição da banca" foi a gota de água que fez Sócrates decidir, ontem, avançar para um pedido de ajuda externa (ver pág.4).
Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, confirmou logo a seguir às declarações de Sócrates que a Comissão recebeu o pedido. "O Presidente garantiu que o pedido será tratado da forma mais expedita possível, de acordo com as regras pertinentes" e "reitera a sua confiança na capacidade de Portugal superar as dificuldades actuais, com a solidariedade dos seus parceiros", disse a Comissão em comunicado.
Ontem, o primeiro-ministro não deu qualquer indicação sobre a modalidade de ajuda que defende ou quais os prazos da sua concretização - ou seja, como é que a ajuda se encaixa na situação política de Portugal. O valor estimado pela Comissão para uma ajuda a Portugal no âmbito do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) é de 75 mil milhões de euros, mas hoje poderá ser mais elevado. Pedro Passos Coelho, que falou pouco depois do primeiro-ministro, deixou no ar uma pista ao referir que é "indispensável" que o actual executivo de gestão "possa negociar um quadro mínimo de ajuda".
Fontes que acompanham as negociações, sublinharam que, sem se saber o que vai ser pedido, é impossível prever as exigências que a União Europeia fará, mas é absolutamente consensual que Portugal não receberá um único euro sem um compromisso que garanta um programa de consolidação orçamental e reformas estruturais que o governo de Berlim e o BCE considerem suficientes.
Vários países europeus, mas em particular o Reino Unido, deixaram claro nos últimos dias que não aceitariam novamente a solução encontrada em Maio para a Grécia, ou seja, o uso do artigo 122 do Tratado de Lisboa, que prevê ajuda a Estados-membros em caso de "calamidade ou ocorrências excepcionais que não possa controlar". Um alto funcionário do governo resume assim o espírito que domina em Bruxelas: "122 à la grega não passará".
Certo também é que o tempo urge. "Se se verificar um alívio nos mercados, será de dias, não mais. Teremos, talvez, duas semanas de alguma acalmia para negociar com Bruxelas", disse uma fonte diplomática.
A crise política portuguesa, caso único na negociação de uma ajuda europeia, torna mais difícil a aplicação das regras do FEEF.
"Bruxelas terá de negociar com três negociadores e não apenas um", diz outra fonte governamental: o governo, o Presidente e os partidos da oposição que possam vir a ganhar as eleições. Mas agora, segundo São Bento, deve ser o Presidente a tomar a iniciativa.
Cavaco Silva entrou, pois, directamente no dossier da ajuda externa e está a ser o mediador entre o Governo e o PSD.
No seu anúncio de ontem Sócrates delegou no Presidente alguns poderes. "Informei desta decisão o senhor Presidente da República a quem solicitei que realizasse as diligências que entendesse necessárias junto dos restantes partidos políticos", afirmou o primeiro-ministro, na televisão, à hora dos telejornais. "Este é o momento para todos assumirmos as nossas responsabilidades", avisou.
Logo depois, também em directo para as televisões, Passos anunciou o seu apoio ao pedido, apesar de o considerar "tardio". O PÚBLICO sabe que o Presidente e o Governo foram informados "formalmente" pelo PSD há uma semana sobre a disposição de apoiar um pedido de ajuda, antes de Passos o ter dito publicamente.
Numa altura em que as relações entre o PSD e o Governo estão extremadas, Cavaco passa a ter um papel preponderante. Na véspera do pedido de ajuda, Cavaco e Sócrates anteciparam a audiência semanal em Belém na qual, segundo fontes do PÚBLICO, a questão do empréstimo terá sido analisada. Tanto a Presidência como o gabinete de Sócrates nada dizem sobre o assunto.
A verdade é que, desde a véspera, havia brechas na estratégia do Governo. Francisco Assis, líder parlamentar, foi o primeiro e ontem Jorge Lacão, ministro dos Assuntos Parlamentares, abriu o jogo. "Se tiver de agir, em matéria de financiamento externo, o Governo, que tanto tem procurado poupar o país, agirá patrioticamente, como sempre, em defesa do interesse nacional", disse num debate no Parlamento.
Pouco depois, surgiram as declarações ao Jornal de Negócios do ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a admitir a necessidade do recurso à ajuda europeia. A seguir, tudo se precipitou e Sócrates fez o anúncio em São Bento.
A crise política diminuiu "a capacidade do Governo de responder às dificuldades". "Não tomar essa decisão acarretaria riscos que o país não deve correr", disse Sócrates. A dificuldade de Portugal em aceder "em condições de normalidade" ao financiamento dos mercados de crédito internacionais desde o chumbo do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC IV) tornou-se "uma ameaça real" ao financiamento do Estado, do sistema bancário e da economia nacional, admitiu.
"Tentei tudo", disse o primeiro-ministro, lembrando que sempre encarou o pedido à UE "como uma solução de último recurso". Logo depois, Passos garantiu o apoio do PSD. Mas não só. "O PSD tudo fará para, não apenas apoiar no plano externo este pedido, mas também facilitar a negociação que necessariamente o Governo deve conduzir". E defendeu que o importante agora não é a "discussão da responsabilização e da culpa", mas "tranquilizar Portugal". Disponível para apoiar o "quadro de ajuda mínimo", os sociais-democratas consideram, porém, que só o Governo saído das eleições de 5 de Junho poderá negociar o quadro completo.