O maior grupo mundial de venda de roupa já tem um sucessor para Amancio Ortega

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Pablo Isla, escolhido por Ortega, vai assumir o novo cargo em Julho SUSANA VERA/REUTERS

Com 47 anos, Pablo Isla, o gestor que chegou à Inditex em 2005, vai ser o novo líder da empresa dona de marcas como a Zara. Mas terá ainda ao seu lado o fundador do grupo

O dia 10 de Janeiro deste ano ficará seguramente como um marco na história da Inditex, o maior grupo de vestuário do mundo em termos de receitas. Através de um comunicado de apenas 14 linhas, o fundador do grupo que detém marcas como a Zara anunciava publicamente que Pablo Isla, actual primeiro-vice-presidente e administrador-delegado, o irá substituir na presidência da empresa.

A passagem do testemunho vai ser oficializada em Julho, durante a assembleia geral do grupo. Nesse mês, Ortega já terá completado 75 anos, e, sem alternativas imediatas em termos de sucessão familiar, o homem que criou um império com mais de cinco mil lojas e vendas da ordem dos dez mil milhões de euros (os primeiros nove meses do actual exercício fiscal dão conta de receitas de 8,9 mil milhões, uma subida de 14 por cento) optou por um gestor que chegou à empresa há menos de seis anos. Nesse período de tempo, Pablo Isla conquistou um dupla vitória: assegurou a expansão da Inditex e a confiança de Ortega.

De acordo com dados do grupo, em cinco anos a empresa duplicou o seu tamanho, e o valor em bolsa subiu 200 por cento (vale perto de 40 mil milhões de euros). Graças à expansão de lojas e de mercados, há mais cerca de 40 mil empregos na Inditex do que em 2005, e está hoje em 77 países. Para se ter uma ideia do ritmo de crescimento, entre Fevereiro e Outubro de 2010 foram inauguradas 300 lojas, em 45 países.

Olhos postos na Ásia

Josep Tàpies, professor de Gestão e responsável pela área de negócios familiares na espanhola IESE Business School, afirma, em declarações ao PÚBLICO, que o principal desafio de Isla será "a estratégia de crescimento internacional da Inditex" e provar "a validade do modelo de negócio" da empresa, assegurando que este vai continuar a funcionar. O futuro, para já, passa por manter o ritmo de expansão, apostando cada vez mais na Ásia e na Internet. No primeiro caso, a Inditex privilegia a abertura de mais lojas na China, onde já está em 28 cidades, com 140 unidades da Zara, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius e Pull&Bear. Para este ano está agendada a entrada das restantes insígnias, Oysho e a Uterqüe. Isto sem descurar mercados como o Japão e Coreia do Sul, além da Austrália, onde se pretende estrear nos próximos meses (tal como na África do Sul). A curto prazo, também a Índia está na rota da expansão do grupo.

No caso da Internet, depois de algumas resistências, a Inditex rendeu-se ao comércio online. Começou, no ano passado, pela inauguração de lojas virtuais em seis países europeus, Portugal incluído, e, depois dessa estreia, alargou o projecto a mais cinco mercados. Agora, é a vez dos Estados Unidos e do Japão.

Esta tem sido uma das apostas de Isla, que, a partir de Julho, ficará ainda com mais capacidades de decisão. É que, com a sua subida ao lugar ocupado por Ortega, o gestor de 47 anos vai acumular, num só cargo, funções equivalentes a presidente executivo e presidente não-executivo. Para Tàpies, esse passo é, sem dúvida, um "reforço do poder". "No caso de Amancio Ortega, a sua filha é nova [Marta, filha do segundo casamento, tem 27 anos e, entre os três herdeiros, era o nome mais falado para suceder ao pai] e não ocupa actualmente nenhuma função executiva, pelo que a nomeação de Isla e a escolha do modelo de governação podem funcionar", pelo menos para já, diz o professor da IESE.

A entrada de Isla

Quando Pablo Isla entrou para a Inditex, em Junho de 2005, ninguém diria que tinha acabado de chegar o futuro sucessor de Ortega.

Esse foi um ano conturbado, marcado pela saída de José Maria Castellano, antigo vice-presidente e administrador-delegado, e de Juan Rodrígues Cebrián, ex-director-geral e seu sobrinho por afinidade. Cebrián saiu em Fevereiro, sem nunca se ter entendido com Castellano, braço direito de Ortega mesmo antes de a Inditex ter sido criada, e com o qual tinha de dividir poderes. Já Castellano acabou por se desligar do grupo onde trabalhou cerca de três décadas, em Setembro de 2005, depois de um desentendimento com Ortega.

Enquanto permaneceu na Inditex, Castellano ainda assistiu à chegada de Pablo Isla, que fez questão de entrar no novo emprego acompanhado de várias pessoas da sua confiança. Como relata Enrique Badia no livro Zara e as Suas Irmãs, isso implicou "deslocar ou substituir outras [pessoas] que tinham feito do círculo mais próximo de Castellano", em áreas como os recursos humanos ou o departamento financeiro. Era o início de um outro estilo de gestão.

Casado, pai de três filhos, Isla é apresentado pelos responsáveis de comunicação do próprio grupo como alguém que tem "uma grande capacidade de trabalho" e que "conhece todos os aspectos essenciais da empresa". O gestor, que o jornal El País diz ser "mais discreto do que tímido" (à semelhança de Ortega, não dá entrevistas, embora não evite aparições públicas, como nas apresentações de resultados), era pouco conhecido antes de aterrar em Arteixo, o coração da Inditex, na Corunha.

Licenciado em Direito, este natural de Madrid (e adepto do Real) foi oscilando entre o sector público e privado. Foi director dos serviços legais do Banco Popular entre 1992 e 1996, tendo depois assumido o lugar de director-geral do património do Estado, na tutela do Ministério da Economia. Dois anos depois voltou ao Popular, como secretário-geral, para então transitar como vice-presidente para a tabaqueira espanhola, a Altadis. Apadrinhado por César Alierta, o presidente da tabaqueira que foi substituir Juan Villalonga na Telefónica, acabou por assumir a presidência da Altadis, avançando com a sua internacionalização

Trabalhar "até ao fim"

O novo percurso, que o levaria à Inditex, começou por um contacto da Korn Ferry, empresa de caça-cabeças. E, agora, Isla garante que o irão ver na Inditex durante toda a sua vida.

Um dos aspectos que diversos observadores, incluindo os contactos pelo PÚBLICO, destacam em Pablo Isla são as suas excelentes capacidades de gestão, acompanhando as equipas ao mesmo tempo que lhes delega responsabilidades e espaço de manobra. Para Xavier Blanco, essa é "uma qualidade que partilha com Amancio Ortega", o homem que "sempre deu a "corda ao relógio"".

Mesmo com a passagem de testemunho e de poderes, que foi discretamente iniciada nos últimos anos, Ortega não se irá afastar totalmente do negócio que criou. Talvez dê menos vezes a corda ao relógio, mas estará atento ao mínimo atraso. Como sublinhou o próprio no comunicado de 10 de Janeiro, Ortega irá permanecer no grupo e na administração, como não- executivo, embora não esteja ainda bem definido em que moldes o fará. Xavier Blanco, co-autor da obra De Zero a Zara, a primeira biografia escrita sobre Ortega, recorda ao PÚBLICO uma frase que o empresário lhe disse, durante o primeiro encontro entre os dois, ocorrido no ano passado: "Vou trabalhar até ao fim".

O detentor de 59 por cento do capital da empresa, e um dos dez homens mais ricos do mundo, é descrito por Xavier Blanco como uma pessoa que "nunca dá ponto sem nó". Diz este jornalista que, quando Ortega aceitou que a sua fotografia fosse publicada pela primeira vez, em 1999, fê-lo já a pensar na dispersão de capital em bolsa, algo que veio a acontecer dois anos depois. Agora, diz Blanco, em vésperas de fazer 75 anos "lançou outra mensagem aos investidores: que a Inditex continuará, mesmo sem ele". E o certo é que no dia do anúncio as acções do grupo subiram de valor.

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