Bispo de Beja pede à comunidade católica que reveja a sua relação com os ciganos

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Aqui vive meia centena de famílias, separadas do resto por um muro Pedro Martinho

Representantes da Igreja preocupados com as atitudes discriminatórias que "varrem" toda a Europa. Muro que isola o Bairro das Pedreiras considerado "chocante"

A maioria dos cerca de 50 mil ciganos que vivem em Portugal "encontra-se marginalizada e à mercê de medidas paternalistas". As palavras são do bispo de Beja, D. António Vitalino Dantas, proferidas durante o encerramento do 37.º Encontro Nacional da Pastoral dos Ciganos, que decorreu no último fim-de-semana naquela cidade alentejana, onde existe uma comunidade cigana no Bairro das Pedreiras, isolada por um muro.

Comentando o facto de haver lojas e casa particulares decoradas com sapos de barro - para afastar os ciganos, porque o sapo é, na cultura cigana, associada ao azar e à infelicidade -, o padre Francisco Sales Diniz, director da Pastoral dos Ciganos em Portugal, apelou à necessidade de combater esta que é "uma das maiores manifestações racistas em Portugal". Sales Diniz aludia assim à notícia do PÚBLICO (19 de Novembro) sobre esta prática, que aliás é recorrente em diversos pontos do país.

Em Beja, o recurso aos sapos evidencia as tensões sociais que a presença dos ciganos causa. As preocupações locais são, porém, globais, como diversos participantes naquela reunião salientaram. O bispo incentivou os católicos a "cultivarem atitudes diferentes", para combater a emergência do fenómeno do anticiganismo que percorre "todos os países" da Europa.

A esta propósito, o padre Sales Diniz levou para o debate o chamado Documento Final do Encontro dos Directores Nacionais da Pastoral dos Ciganos na Europa, discutido e aprovado entre 2 e 4 de Março na Cidade do Vaticano e onde se reconheceu que os ciganos "são ainda objecto de actos de anticiganismo, discriminação racial e xenofobia".

O mesmo documento realçava a necessidade de se criar uma "consciência europeia" que permita às etnias ciganas e outros grupos de itinerantes "o reafirmar da própria identidade e diversidade cultural". O arcebispo, D. Agostino Marchetto, secretário do Dicastério [tribunal] do Vaticano não deixou de recordar que a "maioria dos ciganos europeus vive em grande pobreza e não têm acesso a recursos fundamentais para a vida".

Por sua vez, Claude Dumas, padre de origem cigana e Director Nacional da Pastoral dos Ciganos de França, ao descrever a realidade na Europa actual, referiu que o espaço Schengen "acelera" o movimento migratório de diversos grupos ciganos e faz emergir "a desconfiança".

Também a Igreja é visada nas críticas, ao lhe ser proposto "o abandono de todo o comportamento de domínio" nas relações com os ciganos. Terão de ser "eles os protagonistas da sua vida", recomenda-se.

Nos países do Leste europeu - à excepção da Roménia, onde grassa uma forte exclusão dos ciganos -, a preocupação com a educação e o ensino das crianças tem-se revelado basilar no combate à exclusão destas comunidades. Um pároco húngaro apresentou em Beja dados importantes sobre a escolarização das crianças na Hungria, que se revelam "muito satisfatórios".

Outros testemunhos inseridos no Documento Final comprovam que há comunidades católicas que levam a cabo uma "exclusão explícita e declarada dos ciganos".

Este problema é transversal a sectores da Igreja portuguesa, como frisaram alguns dos presentes no encontro de Beja. D. António Vitalino Dantas admitiu que na Igreja portuguesa "há pastores por vezes longe do seu povo".

Apesar das recomendações expressas em todas as pastorais de ciganos, o anticiganismo persiste. Neste sentido, uma das conclusões do 37.º Encontro Nacional da Pastoral dos Ciganos considera que é urgente "repensar a pastoral em Portugal", quebrando as "amarras com o passado" sublinhou o bispo de Beja, reconhecendo que a Igreja "por vezes marca passo" na luta por "uma sociedade inclusiva".

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