Moçambique: O rosto da terceira via
Simango, de 45 anos, atraiu sobre si as atenções quando, em 2008, tornou vitoriosa a primeira candidatura independente a um município moçambicano. Representante de uma nova geração, não tem, ao contrário dos outros dois candidatos presidenciais, as credenciais da guerrilha: contra as tropas coloniais portuguesas, no caso de Armando Guebuza, de 66 anos; na luta armada contra o partido único, no de Dhlakama, de 56. Num comício, assumiu o corte geracional e pediu votos para o candidato jovem, sem óculos e sem "farinha na cabeça".
Ninguém espera que seja eleito chefe de Estado, mas nos meios mais politizados de Maputo especula-se sobre a possibilidade de impedir uma maioria absoluta nas presidenciais e forçar uma inédita segunda volta entre Guebuza, favorito para um segundo mandato, e Dhlakama, que tenta pela quarta vez consecutiva chegar ao Palácio da Ponta Vermelha. Ainda mais remotos parecem os cenários em que o próprio Simango conseguiria chegar à segunda volta.
A biografia de Daviz Mbepo Simango cruza-se com os partidos liderados pelos seus dois adversários: é filho de Uria Simango, que foi vice-presidente da Frelimo, e de Celina Muchanga, fundadora da primeira organização feminina moçambicana, executados por alegada traição, depois da independência, em circunstâncias mal esclarecidas. Há dois anos, quando ainda militava na Renamo, a que pertenceu até 2008, disse à BBC não ser movido pelo rancor. "Quando comecei o mandato, diziam que ia vingar-me do pai, isto e aquilo, mas penso que a prática tem demonstrado que afinal de contas somos moçambicanos."
A Beira como trampolimNesse tempo, a proximidade com Dhlakama era ainda grande, pelo menos nas declarações: "É um irmão com quem dialogo. E o que estamos a fazer na Beira é resultado disso", afirmava. Surpreendeu, por isso, que a Renamo optasse por outro candidato, decisão mal recebida pelas bases do partido e pela população local. Tanto mais que Simango era já um prestigiado quadro: formado em Engenharia Civil, fez estágios em Portugal e Itália e viu a sua governação na Beira ser reconhecida pela revista de negócios sul-africanaProfessional Management Review - África, que o considerou o melhor presidente de municípios do país em 2006.
O mínimo que se pode dizer é que a Renamo fez um mau negócio: perdeu a segunda cidade do país, numas eleições em que foi varrida do panorama autárquico e Simango foi reeleito com 61,6 por cento dos votos, ampliando os 54 por cento que obtivera em 2003. Os resultados mostraram que o filho de Uria Simango, como é conhecido entre os mais velhos, principalmente em meios rurais, fez bom trabalho e era um político a merecer atenção.
Em Março deste ano foi eleito para a liderança do então criado MDM, que observadores moçambicanos consideravam poder atrair descontentes da Renamo e capitalizar um eventual desgaste da Frelimo. Mas as candidaturas às legislativas foram rejeitadas em nove dos 13 círculos eleitorais, por alegadas irregularidades. Com as hipóteses de eleger deputados bastante limitadas, a prioridade passou a ser outra. "A aposta deve ser agora chegar à Presidência e formar o Governo que vai mudar Moçambique", disse Simango, citado pelo jornal on-line Canal de Moçambique.
Nascido numa família em que se respirava política, irmão de Lutero Simango, deputado na coligação eleitoral promovida pela Renamo e que é agora apoiante do MDM, Daviz projecta uma imagem de humildade, calma e ponderação. O candidato "sem farinha na cabeça" acusa, ainda assim, os partidos estabelecidos de recearem o MDM e de terem sido coniventes na decisão da Comissão Nacional de Eleições, depois confirmada pelo Conselho Constitucional, de não aceitar as candidaturas em todos os círculos.
Em Junho, também ficou claro que a nova força política e o seu líder poderiam ser incómodos: quando se preparava para um comício em Nacapa, na província de Nampula, Simango escapou a um atentado da autoria de supostos membros da Renamo, acto do qual Dhlakama, agora muito crítico do antigo companheiro, se demarcou.
Casado, pai de dois filhos, protestante, Daviz Simango recebeu o apoio de vários pequenos partidos, parcial ou totalmente excluídos do processo eleitoral. Também já mostrou ser capaz de atrair simpatias de figuras antes ligadas à Renamo. Mas o seu resultado parece depender essencialmente da capacidade para atrair os jovens, que privilegiou no discurso de campanha, destacando o desemprego e a falta de oportunidades com que se debatem.
Se desta vez a Presidência parece ser uma miragem, o futuro pode passar por uma nova candidatura à chefia do Estado em 2014.