Nobel da Física vai para o primeiro retrato do Universo enquanto bebé
Observações do satélite Cobe permitiram medir a radiação
fóssil do Big Bang
Em 1992, a divulgação do primeiro retrato do Universo bebé, quando tinha só 380.000 anos, fez furor mundial. Era um mapa oval, uma espécie de ovo cósmico em tons azuis e rosa. Foi capa de jornais, incluindo o PÚBLICO. Para lá da sua beleza, provava a teoria do Big Bang e explicava por que o Universo é como o conhecemos: com galáxias espalhadas por todo o lado. Foi esse trabalho que valeu o Prémio Nobel da Física de 2006 aos norte-americanos John Mather e George Smoot. O retrato do Universo primitivo não é uma fotografia no sentido comum, mas medições da luz mais antiga que se consegue ver - e que se chama radiação cósmica de fundo.
No Universo com 380.000 anos, essa radiação era luz ultravioleta e chegava quase aos 3000 graus Celsius. Foi arrefecendo, à medida que o Universo se expandiu, passando pelas cores do arco-íris.
Hoje, 13.700 milhões de anos após o Big Bang, essa radiação detecta-se como microondas e está apenas 2,7 graus acima do zero absoluto (273 graus negativos). Numa certa sintonização, a "chuva" dos televisores é a radiação fóssil do Big Bang, que inunda o Universo.
Com menos de 380.000 anos, o Universo era muito quente e denso. Havia tantos electrões à solta que os fotões não conseguiam viajar, por isso não chegam até nós. Só quando os electrões se agarraram aos núcleos para formar átomos a luz pôde viajar. Então o Universo deixou de ser opaco, para ficar transparente.
Só por si, a história da descoberta da radiação cósmica de fundo é curiosa. Por volta da década de 60, confrontavam-se dois cenários sobre o Universo. Ou estaria em expansão, segundo o modelo do Big Bang, o acontecimento cataclismico que criou o espaço e o tempo (se está tudo em expansão, então já esteve tudo concentrado num ponto). Ou manter-se-ia num estado estacionário, sem princípio nem fim.
Se o modelo do Big Bang estivesse correcto, ainda hoje deveriam encontrar-se os vestígios da radiação que banhou o Universo nos tempos em que ficou transparente, diz um comunicado da Real Academia Sueca das Ciências, que atribui o Nobel da Física. Vários cientistas procuravam a relíquia do Big Bang.
A sorte bateu à porta de quem não a procurava. Nas experiências que Arno Penzias e Robert Wilson faziam para os Laboratórios Bell, nos EUA, aparecia sempre uma interferência estranha. Chegaram ao ponto de pensar que a fonte eram pombos em cima da antena. Mas não. Tinham descoberto, em 1964, a radiação cósmica de fundo, o que lhes valeu em 1978 o Nobel da Física.
Parecia uniforme para onde quer que se olhasse no céu, o que evidenciaria uma distribuição homogénea da matéria (energia e matéria equivalem-se, como disse Einstein) nos primeiros momentos do Universo. Mas isso era outro problema. Se não se conseguiam detectar flutuações na radiação (na época, não havia tecnologias), então como teriam surgido as galáxias e tudo o que têm?
As observações de um satélite que a agência espacial NASA lançou a 18 de Novembro de 1989, o Cobe, puseram fim à incógnita. Pela primeira vez, detectaram-se flutuações pequenas na temperatura da radiação, que correspondem a diferenças na distribuição da matéria.
Nos pontos onde o Universo tinha mais matéria nasceriam as galáxias. Porque a matéria atrai a matéria. Por isso, quando se olha para os sítios de maior densidade, está a ver-se as sementes das galáxias. "As variações na temperatura mostram-nos como a matéria no Universo começou a "agregar-se". Tal era necessário, para que galáxias, estrelas e a vida pudessem desenvolver-se. Sem esse mecanismo, a matéria teria tomado uma forma diferente, espalhando-se de forma uniforme pelo Universo", refere o comunicado.
O astrofísico John Mather, do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, coordenou todo projecto do Cobe. George Smoot, da Universidade da Califórnia em Berkeley, foi o responsável pelas medições das variações da temperatura radiação cósmica de fundo.
Ontem, Mather dizia estar "encantado", relatava a Reuters. "Não posso dizer que estou completamente surpreendido. As pessoas têm dito que deveria ser premiado." Smoot, depois de contar a peripécia do telefonema do comité do Nobel (ligaram-lhe de madrugada, depois de terem marcado o número errado), centrou-se na relevância do trabalho premiado com dez milhões de coroas suecas (cerca de um milhão de euros). "É muito importante para os seres humanos saber as suas origens e o seu lugar no mundo."
A divulgação mundial dos resultados do Cobe, a 23 de Abril de 1992, foi recebida com uma ovação em pé por quem estava numa reunião da Sociedade Americana de Física. O cosmólogo britânico Stephen Hawking considerou-a "a maior descoberta do século, se não de todos os tempos". Logo na altura se disse que os resultados do Cobe seriam dignos do Nobel. O que muitos pensavam cumpriu-se ontem.