Francisco Assis admite “falar com todos os partidos”, incluindo o Chega
Francisco Assis foi reeleito presidente do Conselho Económico e Social (CES). Para o segundo mandato, que diz ser o seu último, tem como objectivo a reformulação do organismo, para o qual pede um papel mais central.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e da Renascença, o reeleito presidente do Conselho Económico e Social (CES) fala sobre o papel dos parceiros sociais e dos partidos da oposição numa maioria absoluta. Ao contrário do líder do PS, Francisco Assis quer falar com todos os partidos com representação parlamentar e não levanta cercas sanitárias ao partido de André Ventura.
- Francisco Assis: “Vejo no Governo uma grande vontade de concertação social”
Neste contexto de maior proximidade à concertação social, qual espera que seja o papel da CGTP e UGT?
São centrais sindicais diferentes, ambas muito importantes para o país. A UGT já assinou acordos de concertação social e o país deve-lhe isso. Tem uma nova liderança. Era muito amigo do anterior líder, Carlos Silva, e tenho uma ligação muito próxima com o novo líder. A CGTP também tem prestado um bom serviço ao país, tem sido uma organização que representa, numa óptica diferente, reivindicações dos vários trabalhadores portugueses. Temos de saber conviver com a contestação social. Isso faz parte. A democracia não se esgota na sua dimensão parlamentar, nem na sua dimensão político-institucional. Tem uma dimensão económica e social e é natural que em determinados momentos as centrais sindicais manifestem essa insatisfação e venham para a rua.
Antevê problemas com o regresso de propostas da legislação laboral que fizeram sair os patrões a meio de negociações em 2021?
Não, porque o patronato não saiu por causa das propostas. Saiu pelo facto de as propostas não terem sido submetidas a discussão da concertação social e nisso tiveram razão. Essas mesmas propostas foram hoje [quarta-feira] objecto de discussão na concertação social e o Governo manifestou disponibilidade para introduzir alterações, não na substância. Vamos voltar a ter uma reunião no dia 25. Não temos a pretensão de que haja sempre entendimentos absolutos. É natural que haja perspectivas diferentes. Há sempre uma parte de razoabilidade em todas as partes. O Governo tem de encontrar um compromisso. Sinto que há uma vontade de diálogo.
Que não havia antes?
Houve sempre. A ideia de que não existe vontade de diálogo é falsa. Entre haver vontade de diálogo e entendimento vai uma distância grande. A democracia não é o regime da unanimidade, mas um regime do debate livre e um regime onde não estamos dogmaticamente fechados e temos disponibilidade para ouvir os outros. Isso nem sempre acontece no debate parlamentar. Na concertação social acontece mais. A razão nunca está de um lado só. É preciso ouvir os outros, sem perder firmeza nas nossas convicções, obviamente dentro de certos limites. Por exemplo, neste contexto da Ucrânia, é preciso respeitar as convicções daqueles que estão numa posição pró-Rússia.
Acredita que pode haver um entendimento para uma semana de trabalho de quatro dias?
Não é um tema central neste debate. Acredito que, a prazo, vá acontecer. Com a evolução científica e tecnológica que está a acontecer esse tema será central. Mas não creio que seja um tema que agora se possa colocar nesses termos.
Porquê?
Ainda estamos numa fase do nosso desenvolvimento em que esse não é o tema central.
Mas consta no programa de Governo a criação de um estudo.
Mas isso é diferente e é facultativamente. Por via da ciência e tecnologia estamos num caminho de libertação do homem das tarefas mais penosas e isso é uma vantagem. Acredito que caminhamos para uma sociedade onde cada vez mais as pessoas poderão usufruir de tempos livres. Independentemente disso, não é uma prioridade.
Faz sentido avançar essa discussão tendo em conta o exemplo que temos em relação à redução da carga laboral para 35 horas de trabalho no sector privado?
Aí tivemos uma redução da carga laboral sem qualquer redução dos dos salários. Neste caso, a discussão é mais lata.
E em relação, por exemplo, a aumentar o salário médio? O PS fez muita campanha eleitoral à volta da necessidade da valorização dos rendimentos e do salário médio.
Creio que todos fizeram referência a isso. Podemos encontrar vários paliativos e podemos encontrar fórmulas de criar condições de ordem fiscal ou de ordem de incentivos às empresas para aumentar o salário para os mais jovens ou de isenções fiscais. Mas só haverá substanciais aumentos de salários em Portugal quando nós tivermos uma economia mais robusta. E para ter uma economia mais robusta temos de ter mais crescimento económico. E para termos mais crescimento económico temos de ter uma melhor produtividade.
Essa é a questão de fundo. O resto é um pouco conversa fiada. Ou melhor, pode haver algumas medidas paliativas que, apesar de tudo, funcionem num ou noutro caso. Mas o essencial tem que ver com o crescimento económico. Só uma economia robusta e que permite criar recursos, criar meios para aumentar os rendimentos e para aumentar também a capacidade do Estado sustentar a sua dimensão social. O verdadeiro Estado social só existe na Europa porque é onde estão os países mais ricos do mundo.
Um Estado social devidamente organizado também fomenta o crescimento da economia. Mas o crescimento da economia é fundamental para garantir esse mesmo Estado Social. Não acredito no mérito das melhores soluções paliativas. São limitadas, têm um efeito limitado. O Governo tem algumas propostas interessantes. Só teremos salários a nível europeu quando tivermos uma economia ao nível europeu. Temos todas as condições para ter essa ambição. Deve ser essa a grande ambição do país para os próximos anos.
Concorda com a opção do executivo de avançar com um segundo pacote em Setembro? Ou é preciso agir mais depressa?
Vamos ver. Temos neste momento um cenário de grande indefinição no horizonte. Não sabemos qual é que vai ser a evolução da inflação e não sabemos como vai evoluir a situação política internacional. Num cenário de grande incerteza, avançar com posições muito peremptórias seria completamente errado. E, nesse sentido, percebo que o Governo tenha uma posição cautelosa e relativamente prudente. Aliás, o Orçamento de Estado parece ser um Orçamento que é caracterizado por essa ideia fundamental. Qual vai ser a evolução da política monetária europeia? Não sabemos qual vai ser a evolução da inflação. Não sabemos qual vai ser a evolução da situação política internacional e por isso não sabemos qual vai ser a evolução dos preços das matérias-primas fundamentais, seja de energia, seja noutros sectores.
E podemos esperar um OE2023 de austeridade?
Gosto pouco falar sobre isso, porque acho que a palavra austeridade é uma palavra que pode ser vista de formas muito diferentes. Podia ser uma discussão política, poderia ser uma discussão semântica absolutamente de sentido falar. Acho que isso é muito do domínio da propaganda política, quer de uns quer de outros. E como eu não estou no campo político, partidário, tenho essa vantagem de não ter necessidade de recorrer à propaganda política nesta fase da minha vida.
Foi um crítico da “geringonça”. Que papel é que vi para o PCP e BE, tendo em conta que o Governo só chamou às negociações do OE a IL, PAN, Livre e o PSD-Madeira?
Não quero fazer comentários sobre quem é que o Governo chama. Se não fosse presidente do CES, era capaz de fazer. Todos os partidos que estão representados na AR têm uma legitimidade própria que resulta da vontade dos portugueses, todos eles sem qualquer excepção. E já manifestei vontade de falar com todos os partidos. Vou falar com o PCP, com o BE, com o PAN, com o Livre, com o PS, naturalmente com o PSD, com a IL e com o Chega. São os partidos que os portugueses quiseram que estivessem representados na AR. Têm todos exactamente a mesma legitimidade.
Se fosse actuar de outra forma estaria aqui a introduzir critérios, do meu ponto de vista, muito perigosos. Quanto ao papel que o BE e o PCP vão desempenhar no futuro, será, em primeiro lugar, o papel que eles próprios quiserem desempenhar e, em segundo lugar, o papel que os portugueses quiserem que eles venham a desempenhar. As circunstâncias já os levaram a estar muito próximos do poder e agora parece que os levaram a estar outra vez bastante afastados. O tempo muda muito. A representação desses partidos é sempre o resultado das vontades dos portugueses. Isso, para mim, é uma questão sagrada. Cada deputado representa o país e isso tem que ser respeitado.
O Parlamento não é o sítio onde chegamos e nos limitamos a fazer proclamações das nossas convicções ou até das nossas profissões de fé mais absolutas. É o lugar onde afirmamos as nossas posições e estamos disponíveis para ouvir os outros e dialogar. Isso é a essência da democracia. Não vamos desvalorizar os partidos políticos por estarem na oposição. Respeito muito os partidos, estejam no poder ou na oposição, e cada um deles tem a legitimidade própria de quem suscitou em graus diversos à adesão de uma parte da sociedade portuguesa. É o caso do PCP e do BE.
Os membros do Conselho Económico e Social têm um mandato correspondente à legislatura. Admite sair antes?
Quero levar este mandato até ao fim. Fui eleito para quatro anos e meio. Fui eleito para acompanhar esta legislatura e quando a legislatura cair, eu também sairei. Tenho a convicção absoluta de que não voltarei a candidatar. As pessoas não se podem eternizar nas funções.
Aceitaria um convite para integrar o Governo?
Já tive convites para integrar o Governo e não aceitei porque não eram funções que naquela altura achasse que fossem as mais adequadas à minha personalidade. Se algum dia estivesse preocupado em pensar o que ia fazer no dia seguinte, não teria feito nem metade do que fiz na minha vida. Isto é das poucas coisas que eu me orgulho. Acho que não há nenhuma pessoa que possa dizer que eu alguma vez na vida política por calculismo ou em função de satisfação de qualquer ambição, de natureza estritamente pessoal. Estou satisfeito com a minha situação e com o que tenho feito na vida política.
Admite um regresso à vida política?
Tudo pode acontecer. Há muitas outras coisas para fazer na vida. Estive um ano completamente fora da vida política partidária. Mantive um certo distanciamento e estava bastante bem nessa vida. Gostei imenso desse ano, até porque cheguei muito cedo à vida política.
Mas tudo pode acontecer admite voltar a candidatar-se à liderança do PS?
Não, não acho. Estou hoje muito distante da vida partidária.
Mas tão depressa se afasta como é possível reaproximar-se.
Claro. Essa é a minha visão. Isso também é vantagem porque tenho esta visão da vida de quem não está prisioneiro. Nunca vi a vida com uma carreira. A política é um lugar onde nós estamos e combatemos pelas nossas ideias. Umas vezes ganhamos, outras vezes perdemos e corremos sempre o risco de ser eliminados.