O crime dos sentimentos incontroláveis
A cidade de Ílhavo ficou estarrecida. Um médico e a sua mulher tinham sido violentamente assassinados. O filho das vítimas confessou a autoria do crime. As investigações da PJ, já terminadas, apontam para rituais satânicos.
Faz hoje um ano que o médico Jorge Santos e a sua mulher Maria Fernanda foram encontrados sem vida na residência em que moravam, em Vale de Ílhavo, distrito de Aveiro. Ele, esfaqueado 35 vezes e quase decapitado, ela, com a coluna vertebral fracturada e vários ferimentos na parte superior do corpo. Os dois cobertos com jornais queimados e com pedaços de acendalha para lareira na boca.O casal tinha sido assassinado poucas horas após o último eclipse solar do século. Aparentemente independentes, estes dois factos foram associados perante a presença, no local, de letras de músicas de "death metal", com referências ao diabo e a mortes violentas. O contexto remeteu o homicídio para uma prática de rituais satânicos - esta foi, desde o início, a convicção da PJ de Aveiro, que suspeitou logo do filho das vítimas.António Jorge (Tójó) e a mulher Sara eram, respectivamente, vocalista e baterista da banda de "death metal" Agonizing Terror. As suspeitas da PJ ganharam mais consistência depois de uma testemunha ter dito que viu duas pessoas no carro que Tójó utilizou na madrugada de 11 para 12 de Agosto de 1999.Tójó, 24 anos de idade, acabou por confessar o crime, começando por assumir sozinho a culpa da morte dos pais. Mais tarde, e segundo fonte próxima da sua defesa, "foi confrontado com provas irrefutáveis" que o levaram a incriminar a esposa. Sara encontra-se, desde o passado dia 10 de Abril, em prisão domiciliária na residência dos pais. Estudante de marketing, a mulher de Tójó tem negado a autoria material ou moral do crime.Na altura do duplo homicídio, Sara e Tójó encontravam-se de férias em S. Pedro de Moel. De acordo com a primeira versão do filho do casal, o jovem teria deixado a mulher, após uma discussão, e viajado sozinho até Aveiro. Chegado a casa dos pais depois da 1h00, teria cometido sozinho o homicídio com uma faca comprada na véspera. Mas a Judiciária sempre duvidou desta versão. Também para o delegado de saúde do concelho de Ilhavo, o ângulo e a profundidade dos golpes aplicados às vítimas eram indicadores do envolvimento de mais de uma pessoa. No passado dia 17 de Julho, a Inspecção de Aveiro da PJ deteve Nuno Lima, 21 anos de idade, residente no Porto e estudante do 12º ano. O jovem, também adepto do "death metal" e elemento da banda Summum Malum, acabou por ficar em prisão preventiva na penitenciária de Aveiro, por "perigo de fuga e alarme social", depois de exames de ADN realizados a sangue encontrado na cena do crime terem conduzido à sua identificação. Um outro jovem do Porto, Hélder, foi também constituído arguido no processo, mantendo-se, porém, em liberdade.Um ano depois do assassinato, o processo continua sem julgamento marcado. Ao que o PÚBLICO apurou, a investigação da PJ terá terminado e o caso já seguiu para o Ministério Público, aguardando que os advogados peçam, ou não, a abertura da instrução. Só depois poderá ter início o julgamento.Fonte próxima da defesa de Tójó disse ao PÚBLICO que as detenções de Sara e Nuno não estão relacionadas com qualquer denúncia por parte do autor confesso: "O Tójó nunca acusou a Sara, é amigo do Nuno, acredita na amizade e está cheio de pena dele". Também Nuno Lima nega qualquer envolvimento no crime. Fonte próxima da família do jovem garante que este "se encontrava em sua casa quando o casal foi assassinado". "O próprio Tójó está espantado com o envolvimento do Nuno, e não consegue explicar o que é realmente inexplicável, o sangue encontrado", acrescenta. A defesa de Nuno já pediu recurso da prisão preventiva decretada e promete requerer uma contraprova das análises ao sangue que levaram à detenção.