Comissão de protecção de menores apela a cuidado no acolhimento: “Uma criança não é descartável”

Como posso acolher crianças refugiadas? O que fazer no momento do resgate das crianças na fronteira da Ucrânia? Que cuidados especiais têm de ser tomados no caso dos menores não acompanhados? Estas foram algumas das questões abordadas numa sessão de esclarecimento promovida pela Câmara de Lisboa.

Foto
A sessão de esclarecimentos decorreu no Fórum Lisboa Miguel Manso

Numa sessão de esclarecimentos sobre o acolhimento dos refugiados vindos da Ucrânia, convocada pela vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da Câmara Municipal de Lisboa (CML), no Fórum Lisboa, nesta segunda-feira à noite, as crianças estiveram no centro da discussão. Do resgate ao acolhimento, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ) apela a que haja uma articulação entre a sociedade civil e as instituições, bem como um “cuidado especial” no que diz respeito aos menores deslocados.

“Estamos perante um fenómeno inesperado com fluxos de milhares de pessoas a chegarem a toda a hora das mais variadas formas, inclusive de carros, carrinhas e aviões humanitários. Isso é extraordinário, mas temos de estar articulados, principalmente em situações com crianças”, afirmou Rosário Farmhouse, presidente da CNPDPCJ, referindo que a maior parte dos refugiados são mães e crianças.

Em particular, a responsável da comissão referiu-se às crianças que são resgatadas das fronteiras com a Ucrânia, como é o caso da Polónia, e que, por vezes, apesar de estarem aparentemente sozinhas, podem ter sido separadas das suas famílias.

“É preciso ter todo o cuidado porque há crianças que se pensa que não têm famílias, mas na realidade foram apenas separadas e tem de haver, a nível internacional, uma forma de saber onde estão localizadas porque têm o direito de, quando a guerra acabar, regressarem às suas famílias”, defendeu.

No caso do resgate das crianças, as entidades presentes na sessão de esclarecimento — a CML, a CNPDPCJ e o Alto Comissariado das Migrações — pedem, assim, que os voluntários encarregados do resgate garantam que as mesmas trazem consigo o seu documento de identificação para posteriormente se poder chegar às suas famílias e que contactem as autarquias antes de regressarem com os refugiados.

“Quem conhece pessoas que se vão fazer à estrada para resgatar refugiados entre em contacto connosco para articularmos a chegada”, apelou Laurinda Alves, alertando para a necessidade de se evitar a criação de campos de refugiados em Lisboa, “uma porta de entrada” para Portugal. “Vamos acolher todos os que chegarem. Não haverá ninguém sem apoio, mas temos de nos articular.”

As famílias com disponibilidade para acolherem crianças, estejam estas acompanhadas ou sozinhas, podem inscrever-se e formalizar a relação com as pessoas que acolhem na plataforma de registo e protecção para crianças no site Portugal for Ukraine. Contudo, no caso dos menores não acompanhados, há um processo de verificação pelo qual as famílias voluntárias têm de passar, já que “o Estado português tem de saber onde vão ficar e se as famílias têm condições mínimas para as acolher”, explicou Farmhouse.

Na região de Lisboa, nos concelhos de Mafra, Odivelas, Loures, Sintra, Cascais, Amadora, Oeiras, Lisboa e Torres Vedras, a Santa Casa da Misericórdia encarrega-se de entrar em contacto com os voluntários e de realizar uma entrevista às famílias, sendo no resto do país a Segurança Social que faz a ponte com os voluntários.

Para além disso, no caso das crianças não acompanhadas, o pedido de protecção temporário realizado através do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não pode ser feito a partir da plataforma online criada para o efeito no domingo, mas sim presencialmente com a presença das famílias acolhedoras nas delegações do SEF.

“Sempre que houver crianças, tem de haver um registo no SEF para a protecção internacional e um olhar atento do Governo. Por isso, se souberem de crianças que vão chegar, é muito bom antecipar a preparação através da plataforma para ajudarmos de forma mais organizada e sistemática”, apelou Rosário Farmhouse.

No caso das crianças com necessidades especiais que precisam de acompanhamento especializado, a vereadora Laurinda Alves assegurou que em Lisboa existe uma rede montada entre a Ordem dos Médicos, farmacêuticos e psicólogos. “Está a funcionar e está muito oleada, apesar de isto ser uma situação imprevista”, afirmou.

A presidente da CNPDPCJ procurou ainda esclarecer os desafios que acarreta acolher pessoas refugiadas, solicitando que as famílias acolhedoras tenham “tranquilidade” e “cuidado”, “porque há marcas da guerra que ficam” e porque não é, por enquanto, possível prever quanto tempo o acolhimento poderá durar.

“Têm de estar preparados porque pode ser pouco tempo ou pode ser muito tempo. Uma criança não é descartável. Têm de estar dispostos a ficar com ela o tempo que for necessário e não dizer que depois já não vai ser possível”, defendeu.

As entidades esperam, assim, que as famílias que se dispõem a ser acolhedoras consigam acolher os refugiados até ao Verão para estes “não terem de andar de família em família, porque isso pode ser difícil para eles”, disse Laurinda Alves.

Sobre a aprendizagem da língua portuguesa, uma vez que consideram que a barreira da língua é um dos maiores desafios, a vereadora da câmara revelou que existem 160 vagas, em oito turmas no Liceu Camões, em aulas de português para estrangeiros.

A partir desta terça-feira, às 14h, estará operacional uma linha telefónica da CNPDPCJ para esclarecimentos sobre o acolhimento de crianças: 300 511 490.

Sugerir correcção
Comentar