Adeus escudo, bom dia euro
A partir da meia noite de hoje, onze países da União Europeia, onde vivem 291 milhões de cidadãos, vão ficar unidos por uma única moeda. A essa hora, nascerá o euro e desaparecerá o escudo, que nem chega a completar 90 anos -mesmo que a mudança, que é uma das mais extraordinárias da história da Europa, não vá ser imediatamente sentida pelos portugueses. A "cara" do euro será ainda, e até Janeiro de 2002, a das notas e moedas de escudos. Mas a moeda portuguesa - como a espanhola, a francesa ou a alemã - deixa efectivamente de existir. Em Bruxelas vão decorrer hoje os últimos actos do lançamento da nova moeda europeia. Em Lisboa, o PÚBLICO ouviu António Guterres e os três líderes dos partidos da oposição sobre um acontecimento que determinará o futuro do nosso país.
O processo de unificação do Velho Continente dá à meia noite um passo de gigante: 291 milhões de europeus de onze países da União Europeia (UE) vão entrar no novo ano unidos por uma única moeda.O lançamento da União Económica e Monetária (UEM) constitui uma verdadeira revolução, mas os cidadãos europeus não sentirão amanhã, nem nos dias seguintes, qualquer diferença: os escudos continuarão a circular em Portugal, como as pesetas em Espanha ou os marcos na Alemanha. E assim será até Janeiro de 2002. Só nessa altura é que entrarão em circulação as notas e as moedas em euros e, a partir de Julho desse ano, elas passarão a ser as únicas aceites nos onze países. Este período transitório entre o fim da existência legal do escudo e o desaparecimento definitivo da sua expressão física destina-se a permitir a execução de uma gigantesca tarefa: substituir os cerca de 9 mil milhões de notas e 60 mil milhões de moedas que circulam actualmente nos onze países membros. Durante esta transição, os escudos, os marcos alemães e os francos franceses em circulação serão apenas diferentes expressões - ou "caras" -da mesma unidade monetária, o euro. O valor de cada uma não sofrerá qualquer variação relativamente às outras, o que significa que ter escudos ou marcas finlandesas no bolso é rigorosamente a mesma coisa. Depois de Julho de 2002, desaparecerão definitivamente as expressões nacionais do euro, e a moeda única passará a ter uma única "cara". A última incógnita, a resolver hoje, refere-se à definição do valor em que cada uma das moedas participantes vai ser convertida, de forma irreversível, em euros. Esta decisão será tomada pelos ministros das finanças da França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Portugal, Espanha, Áustria e Finlândia, durante uma reunião em Bruxelas. A sua deslocação constitui uma mera formalidade destinada a dar alguma visibilidade ao passo de gigante que constitui o lançamento da moeda única, já que a generalidade dos ministros estava disposto a resolver a questão por teleconferência. A realização da reunião acabou por ser imposta pelo ministro francês das finanças, Dominique Strauss-Kahn, que considerara impossível convencer os cidadãos europeus da importância de uma decisão tomada por fax.A organização do dia de hoje está cronometrada ao minuto. Às 11h00 em ponto (10h00 em Lisboa) os governadores dos bancos centrais dos Onze analisam por teleconferência, durante trinta minutos, o valor de mercado das dez moedas face às de países terceiros, sobretudo o dólar. São dez moedas e não onze porque a Bélgica e o Luxemburgo vivem em união monetária há mais de trinta anos. Wim Duisenberg, presidente do Banco Central Europeu (BCE), participará na discussão a partir do banco central da Bélgica, de modo a poder juntar-se logo a seguir aos ministros das Finanças reunidos a pouca distância.Os resultados da discussão dos governadores serão transmitidos à Comissão Europeia, que procederá ao cálculo das taxas de conversão entre cada moeda participante e o euro, segundo modalidades precisas (ver caixa). Às 12h30 (11h30 em Lisboa), Jacques Santer, presidente da Comissão Europeia, e Yves-Thibault de Silguy, comissário europeu responsável pelas questões económicas e financeiras, apresentarão uma proposta formal de taxas de conversão que, salvo surpresa inimaginável, será aprovada pelos ministros das Finanças. Estas taxas de conversão serão entretanto afixadas num quadro luminoso no edifício do conselho de ministros da União Europeia, em Bruxelas. Durante a hora seguinte, os ministros poderão assinalar perante as câmaras de televisão a solenidade do momento. Às 13h30 (12h30 em Lisboa), Rudolf Edlinger, ministro austríaco das Finanças e presidente em exercício da UE, assinará o regulamento que institui as taxas de conversão e que será de imediato traduzido para as onze línguas oficiais da UE antes de ser publicado no Jornal Oficial das Comunidades.Cinco minutos depois da assinatura, os presidentes do BCE, da Comissão Europeia e do Conselho de Ministros darão uma conferência de imprensa para as centenas de jornalistas de todo o mundo que não quiseram deixar de imortalizar o momento histórico.A "fotografia de família" que acompanha todas as ocasiões solenes dos Quinze antecederá o champanhe e o lançamento de três mil balões no pátio interno do edifício do Conselho de Ministros. "Três mil balões é o máximo autorizado pelos controladores aéreos", justifica a Comissão. Às 18h00, o Jornal Oficial das Comunidades publicará as taxas de conversão que entram em vigor à meia noite. Devido às diferenças horárias existentes na UE, Portugal e a Irlanda serão os últimos países a entrar na moeda única, uma hora depois dos países da Europa Central e duas horas depois da Finlândia. A decisão de hoje constitui apenas o corolário da verdadeira revolução operada em 2 de Maio com a fixação das paridades bilaterais entre cada uma das moedas participantes no euro. Este passo, que eliminou os riscos cambiais entre estas moedas, contribuiu igualmente para reforçar a solidez do projecto junto dos mercados de câmbios, que, sintomaticamente, não ousaram qualquer especulação. Vivendo desde então numa UEM virtual, os Onze limitar-se-ão hoje a definir a taxa de conversão entre cada uma destas moedas e o euro. Apesar de só passar a ter existência física depois de 2002, o euro poderá começar a ser utilizado desde o início para operações que não envolvam dinheiro líquido, como a organização da contabilidade das empresas, transferências bancárias ou o pagamento de impostos. A esperança dos responsáveis europeus é que este período transitório permita uma adaptação sem sobressaltos dos europeus a uma nova unidade monetária que vai abalar profundamente a sua escala de valores.