Directoras do DN e JN demitem-se do Conselho de Administração da Global Media
Jornalistas do DN, JN, TSF e O Jogo queixam-se de ingerência da administração nos jornais e na rádio da Global Media Group. Conselhos de Redacção questionaram as respectivas direcções sobre Marco Galinha figurar como administrador das redes sociais dos títulos e mandar deixar de pagar a colunistas com exposição política.
Rosália Amorim e Inês Cardoso pediram a demissão do Conselho de Administração da Global Media, avançou a Sábado e confirmou o PÚBLICO. A decisão foi tomada na sequência de uma tomada de posição conjunta dos Conselhos de Redacção do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF e O Jogo. Ambas vão manter-se como directoras do DN e JN, respectivamente.
Os conselhos de redacção (CR) de quatro órgãos de comunicação social detidos pela Global Media Group – Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo e TSF – insurgem-se contra o que consideram ser uma ingerência: o novo presidente do conselho de administração (CA), Marco Galinha, figura como administrador das redes sociais e mandou deixar de pagar a colunistas que tenham exposição política.
A directora do JN, Inês Cardoso admitiu ao CR ter recebido “ordens para terminar o pagamento de crónicas a políticos, tendo sido fundamentado que é ‘expressamente proibido pagar a pessoas expostas politicamente’”. E a directora do DN, Rosália Amorim, reconheceu ao respectivo CR ter recebido igual ordem, acrescentando que tal decisão surgiu “no seguimento do que terá sido afirmado pelo presidente do CA em comissão parlamentar”.
No comunicado a que o PÚBLICO teve acesso, o CR do JN considera tais ordens “ilegítimas, por configurarem uma interferência da administração em matéria da competência exclusiva da directora”. “Às empresas, portanto às administrações, está vedado determinar a exclusão nomeadamente de autores em espaços de opinião”, sublinha, defendendo que “o presidente da administração deve cessar imediatamente quaisquer instruções de condicionamento das escolhas de colaboradores na área da opinião”.
Os membros eleitos pela redacção do DN assumem posição idêntica. No seu comunicado, lembram “a importância de manter o jornal como um espaço democrático e plural no exercício das liberdades de expressão e opinião”. “A escolha dos colunistas para os espaços de opinião do jornal é uma competência editorial atribuída ao director da publicação e é parte fundamental do valor editorial da publicação e do seu posicionamento no mercado face à concorrência.”
Os jornalistas que fazem parte do CR da rádio também manifestaram ao seu director, Domingos de Andrade, “preocupação com o fim do pagamento a personalidades políticas que colaboram com a TSF na área do comentário”. Sublinham que “a decisão de ‘orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação” cabe ao director. E “alertam para o risco de a direcção da TSF perder a independência de escolher o perfil dos colaboradores, no respeito por critérios de qualidade que assegurem um ‘leque’ de opinião política relevante”.
A directora de comunicação do Grupo Bel, proprietário da Global Media, diz que “não houve, de forma alguma, uma tentativa de condicionamento editorial”. Não lhe parece correcto afirmar que o administrador tenha mandado dispensar “pessoas expostas politicamente”, isto é, “políticos no activo, deputados no activo”. “Elas têm liberdade de escrever, se forem convidas pelos directores, não podem é ser pagas por isso”, salienta. “Isto é uma prática internacional. Os políticos escrevem opinião, mas não recebem por isso”, diz ainda, lembrando que “os recursos são limitados” e que “ há prioridades de gestão”, como contratar jornalistas.
Análise estatística como justificação
O director d’O Jogo, José Manuel Ribeiro, confirmou que o presidente do CA passou a figurar como administrador das redes sociais. Ao que se lê no documento subscrito pelos jornalistas eleitos nessa redacção, “esclareceu que não autorizou nem teve conhecimento dessas alterações”. O mesmo afirmou Rosália Amorim. Já Inês Cardoso disse que “o próprio informou ter pedido apenas para ter acesso às estatísticas das redes sociais do grupo, não sendo sua intenção interferir nos respectivos conteúdos”. Domingos Andrade também disse à TSF ter recebido como justificação a “análise das estatísticas das marcas do grupo”.
Os quatro CR recordam que as contas dos órgãos de comunicação social nas redes sociais – como o Facebook, o Twitter ou o Instagram – são uma extensão de cada marca editorial. Cabe, por isso mesmo, aos responsáveis editoriais determinar que conteúdos são partilhados e como. “O presidente da Administração deve abster-se de quaisquer actos nas redes sociais que possam configurar uma intromissão na área editorial”, escreve o CR do JN.
A directora de comunicação do Grupo Bel, Helena Ferro Gouveia, confirma que Marco Galinha surge como administrador dos vários títulos. “Foi pedido pelo presidente do conselho de administração o acesso a informação estatística e foi-lhe dito que não era possível e surgiu esta solução”, afiança, refutando, uma vez mais, qualquer intenção de intervenção editorial. “Isto é uma acto de gestão. Aquilo que não é mensurável não é gerível.”
Os comunicados agora emitidos pelos jornais diários revelam outros problemas. Quer o CR do DN, quer o d’O Jogo alertam para a falta de pessoas. No DN, fala-se numa “gritante escassez de recursos no corpo redactorial, sem paralelo em qualquer outro título do grupo ou da concorrência”. “Ouvimos o Presidente do CA, em comissão parlamentar, anunciar a iminente entrada de ‘20 dos melhores alunos de jornalismo’ e a aposta num futuro que passa pela digitalização.” N’O Jogo, nem isso: “Segundo o director, a administração justifica a necessidade de novos cortes face à perda de receitas nestes primeiros meses do ano.”
O CR do DN também “manifesta a sua estupefacção” com uma nova “prática de contagem de presenças no espaço físico das redacções, alegadamente a pedido da administração”. “É condição essencial da prática jornalística a sua mobilidade e liberdade de movimentos. Deve ser estimulada, e não coarctada, a capacidade dos jornalistas deste jornal (ou de qualquer outro) em sair da redacção atrás de uma notícia, de uma reportagem, de uma fonte”, escrevem os conselheiros.
O empresário Marco Galinha foi em Fevereiro último eleito presidente do conselho de administração da Global Media. Domingos de Andrade e Guilherme Pinheiro ficaram como administradores executivos. Como vogais sem funções executivas ficaram António Manuel Frade Saraiva, João Pedro Alves Ventura Silva Rodrigues, José Pedro Carvalho Reis Soeiro, Kevin King Lun Ho, Philip Manuel Eusébio Yip, Rui Fernando Baptista Moura, Maria Inês Cardoso e Rosália Maria Amorim Rosa Ferreira Lopes. A nova administração tomou posse em Abril. Inês Cardoso e Rosália Amorim demitiram-se esta terça-feira.
Notícia actualizada às 12h desta quarta-feira para acrescentar a versão do presidente do Conselho de Administração, pela voz da directora de comunicação do Grupo Bel, proprietário da Global Media.