Covid-19. Enfermeiros denunciam pelo menos 15 casos de vacinação de pessoas não prioritárias
Ordem dos Enfermeiros denuncia situações de pessoas vacinadas em lares que diz não cumprirem critérios para integrar os grupos prioritários.
A Ordem dos Enfermeiros diz que há pelo menos 15 casos de vacinações de pessoas que não pertencem aos grupos prioritários para a administração da vacina contra a covid-19. Em causa estão cidadãos que alegadamente não fazem parte dos grupos prioritários nem estão em contacto directo com doentes, denuncia a bastonária Ana Rita Cavaco ao PÚBLICO.
A bastonária relatou situações deste tipo aos deputados da comissão eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia e do processo de recuperação económica e social, classificando esta situação como “própria de um país saloio” que tenta vacinar “os amigos da instituição”. Ao PÚBLICO, esta sexta-feira, a bastonária adiantou que foram reportadas pelo menos 15 situações entre 11 de Janeiro e esta sexta-feira.
Um dos casos é o do presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz, que integra a direcção do lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS). José Calixto já recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19, ainda que não integre os grupos prioritários.
A situação foi denunciada pelo Expresso, que noticiou que o autarca foi incluído na lista de pessoas a vacinar no lar aceite pelas autoridades de saúde responsáveis pelo processo. Segundo o semanário, o próprio José Calixto admitiu, numa resposta nas redes sociais, não preencher os requisitos para ter sido vacinado, mas disse considerar que “devia” pertencer aos grupos prioritários de vacinação.
Numa outra resposta a um comentário no Facebook, o presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz justificou que a autoridade de saúde “está a tratar todas as pessoas das ERPI [estruturas residenciais para idosos] por igual para evitar todas as cadeias de contágio”, estando assim a ser chamadas para a vacinação “todas as pessoas que têm funções nos lares” e considerando ser “irresponsável” não comparecer. José Calixto acrescenta também que foram vacinados quatro membros da administração “que estão em funções”, com um quinto membro excluído por não estar de serviço desde o início da pandemia “por motivos de saúde”.
O director de serviços da FMIVPS, João Carlos Silva, referiu ao Expresso que os elementos do conselho de administração têm sido “parte activa e desenvolvido diligências quase directas junto das instalações do lar”.
José Calixto passa a bola às autoridades de saúde, referindo que devem ser estas a alterar e “assumir essa responsabilidade” caso o critério esteja “incorrecto”.
O PÚBLICO tentou contactar sem sucesso o autarca da Reguengos de Monsaraz. Em comunicado enviado à agência Lusa, a FMIVPS explicou ter indicado para serem vacinados “todos os utentes, funcionários, administrativos, técnicos e dirigentes que têm contacto regular directo com os utentes”. Segundo a instituição, essa directiva foi dada em “obediência às indicações recebidas pelas autoridades de saúde e da segurança social”.
“O critério recomendado pelas autoridades de saúde e consensualizado com a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade para definir o universo a vacinar foi o do contacto próximo e regular com os utentes, sendo expressa a necessidade de incluir os membros das direcções das instituições que mantivessem esse contacto próximo”, esclarece a instituição.
O coordenador da task force criada pelo Governo para gerir o plano de vacinação contra a covid-19, Francisco Ramos, disse ao Observador que José Calixto “não deveria ter sido vacinado”, tendo estado “mal” como administrador do lar. Por outro lado, o secretário de Estado e da Saúde, António Lacerda Sales, também comentou o caso esta sexta-feira, admitindo que pode haver justificação para que o autarca tenha sido vacinado, apesar de acautelar que todos devem “ser vacinados nas fases devidas”.
O PÚBLICO entrou em contacto com Francisco Ramos, mas este cingiu-se aos comentários feitos anteriormente e não falou sobre a situação à luz das declarações do secretário de Estado.
Mais vacinações indevidas pelo país
A bastonária dos Enfermeiros critica a atitude de José Calixto, tomando-a como exemplo para o nível “mais baixo de chico-espertice e provincianismo português” que “irrita” os profissionais de saúde.
Ana Rita Cavaco deu ainda o exemplo da vacinação indevida, no entender da Ordem, do padre da paróquia de Rossas, em Vieira do Minho, distrito de Braga, que teria sido adicionado à lista de prioritários do lar da localidade sem cumprir os critérios.
O PÚBLICO conseguiu confirmar junto da paróquia que o padre foi vacinado, e a inclusão na lista deveu-se ao facto de este estar a substituir as funções do director técnico da instituição, que se encontra doente com covid-19. Por esta razão, “o caso foi apresentado às autoridades de saúde, que decidiram que o padre podia ser vacinado”, justificou a paróquia, esclarecendo que o cargo implica o contacto próximo com os utentes do lar.
Um outro caso denunciado pela bastonária é o do lar da Santa Casa da Misericórdia de Bragança, que terá vacinado “todos os órgãos sociais” da instituição, incluindo alguns “que nem perto dos doentes chegam”. O PÚBLICO não conseguiu entrar em contacto com os responsáveis da instituição.
“As brigadas de intervenção rápida nos lares, em Bragança, ainda não receberam a vacina. E estão a vacinar funcionários”, alertou Ana Rita Cavaco, adiantando que estas denúncias da vacinação de “motoristas, administrativos que não têm contacto nenhum com os doentes covid-19” estão a ser todas dadas a conhecer ao Ministério da Saúde, à task-force e a entidades oficiais.
“É a eles que compete fazer alguma coisa sobre isto”, referiu, lamentando que não tenha havido qualquer reacção por parte dos deputados presentes na audição da comissão eventual de quinta-feira.
Esta sexta-feira o Observador avança também que o presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, e provedor da Santa Casa da Misericórdia local, Francisco Araújo, recebeu a primeira dose da vacina apesar de não integrar os grupos prioritários. O autarca explicou que foi contactado pela enfermeira responsável pelo processo de vacinação que decorria nas instalações da instituição para saber se queria ser vacinado por haver sobras.
Sobre este caso, o coordenador da task force de vacinação referiu que faz parte das orientações não desperdiçar doses, mas sublinhou que quando isto acontece a regra é “procurar outros candidatos dentro do primeiro grupo prioritário.”
Portugal já administrou as duas doses da vacina contra a covid-19 a 24.657 pessoas, de acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde ao PÚBLICO esta sexta-feira. Até ao momento, foram administradas 212.172 doses da vacina desde o final de Dezembro, mês em que se realizaram as primeiras inoculações contra o SARS-CoV-2 no país.