“Confiança, optimismo e esperança” no lançamento da vacinação contra a covid-19 em Portugal

Primeiro dia de vacinação contra a covid-19 em cinco centros hospitalares do país. Profissionais de saúde chamados para serem vacinados falam na esperança de um retorno à normalidade.

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Fernando Nolasco, 68 anos, o primeiro profissional de saúde a receber a vacina contra a covid-19 em Lisboa, no Hospital de Curry Cabral Daniel Rocha
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António Sarmento, o primeiro vacinado em Portugal, no Hospital de São João Paulo Pimenta

António Sarmento chegou, despiu a bata branca, a camisola, abriu a camisa e instalou-se na cadeira montada numa das áreas da consulta externa do Centro Hospitalar de São João, destinada à primeira pessoa em Portugal a receber a vacina contra a covid-19: ele. O director do Serviço de Infecciologia foi escolhido pelo conselho de administração do hospital do Porto, como símbolo da “luta nesta pandemia”, para marcar o arranque do plano de vacinação, neste domingo, em cinco centros hospitalares do país. Foi vacinado às 10h07, minutos depois era a vez de outro médico, Fernando Nolasco, 68 anos, se tornar o primeiro profissional de saúde a receber a vacina contra a covid-19 em Lisboa, no Hospital de Curry Cabral.

A manhã de domingo foi marcada por um burburinho constante na zona de consultas externas do São João, onde 25 gabinetes das áreas K2 e K3 foram equipados para se proceder à vacinação dos profissionais de saúde seleccionados para o primeiro dia de vacinação contra a covid-19. Havia conversas, telefonemas, brincadeiras e também, aqui e ali, alguma apreensão. Mas, tal como no Curry Cabral, era sobretudo um ambiente festivo que se sentia. Dos profissionais de saúde seleccionados para serem vacinados, quase nenhum faltou à chamada. 

Como Nicole Santos, que estava de férias a 200 quilómetros de Lisboa quando foi convocada para ser uma das primeiras pessoas a receberem a vacina contra a covid-19. Em nenhum momento a audiologista de 38 anos do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, hesitou.

Diariamente tem contacto com bebés e crianças no trabalho, e na família tem de dar assistência a uma pessoa doente: a sua mãe que nunca deixou de ver, mantendo todos os cuidados necessários. “Não há receios”, diz Nicole, para quem a vacina traz alívio e vantagens.

As vacinas da BioNTech-Pfizer, as primeiras a chegar a Portugal Daniel Rocha
A enfermeira que transporta a vacina para o local de aplicação, acompanhada por um agente da PSP Daniel Rocha
A distribuição das vacinas já prontas a ser aplicadas nas respectivas seringas, no S. João Paulo Pimenta
Na sala de espera, aguardando a vez de serem vacinados, no S. João Paulo Pimenta
As vacinas prontas a serem administradas, numa das mesas dos gabinetes preparados para o efeito no S. João Paulo Pimenta
A enfermeira Luzia Garrido mostra a vacina que irá administrar dali a instantes a uma colega do hospital de S. João Paulo Pimenta
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As vacinas da BioNTech-Pfizer, as primeiras a chegar a Portugal Daniel Rocha

No Porto, a médica de pediatria Marta Grilo também não hesitou. “Estou tranquila, sou uma mulher de ciência”, dizia, antes de entrar para o gabinete onde, oito minutos antes da hora marcada, a enfermeira Natália Gonçalves lhe administrou a primeira dose da vacina (a segunda deverá ser aplicada a 17 de Janeiro, e só depois acontece a desejada imunização). 

Para Marta Grilo, que até só teve um doente com covid-19 no serviço, a expectativa é que os tempos que se seguem sejam de menos incerteza e menos emotivos. “Foram meses muito intensos, de abdicarmos de muitas coisas em termos pessoais e profissionais. De muita emoção. E um desafio, sobretudo porque era tudo mais incerto. Do ponto de vista profissional, parece que todos os dias havia uma regra nova, um medicamento novo...”, reflectia.

No recobro, cumprindo os 30 minutos de espera após a toma da vacina, a que todos foram sujeitos, Celeste Cunha, encarregada da Unidade de Apoio à Gestão da Urgência e Medicina Intensiva do São João, de 62 anos, vai conversando com a auxiliar Maria da Conceição Castro, de 59 anos. Ambas reconhecem ter chegado a este dia com algum receio, por estarem perante uma novidade, mas a “fé” e o “pensamento positivo” acompanharam-nas na hora de serem vacinadas. Pesou, como referia Celeste Cunha, a certeza de estarem “a agir para o bem de todos, a ver se esta situação acaba”, após um ano particularmente difícil. “Foi muito complicado, tivemos muitos auxiliares infectados, houve uma fase em que foi muito difícil assegurar os turnos”, disse.

Junto à entrada da zona de vacinação, no Curry Cabral Daniel Rocha
A medição de temperatura fez parte das medidas de segurança no Hospital Curry Cabral Daniel Rocha
Todos os profissionais de saúde receberam um folheto informativo e com perguntas sobre eventuais problemas de saúde, antes da vacinação Daniel Rocha
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Junto à entrada da zona de vacinação, no Curry Cabral Daniel Rocha

A algumas centenas de quilómetros de distância, no Hospital Curry Cabral, António Panarra, coordenador da Medicina Interna deste hospital, nunca teve dúvidas em ser vacinado: “Sem a vacinação não vamos nunca vencer esta pandemia e retomar a normalidade. Uma das primeiras consequências será a normalização da vida nos hospitais. Passaremos a ter também mais internamentos para ‘doentes não covid’”, dizia.

Também Francisco Ribeiro, médico da Nefrologia (Medicina Interna) do Curry Cabral, com 68 anos, deixava a sua esperança na vacina que agora começou a ser administrada. “Todos os dias corríamos riscos e esta vacina dá-nos confiança para continuarmos sem a pressão vivida até aqui”, disse, com alívio na expressão sorridente que se adivinha por trás da máscara.

Em Portugal, a primeira fase da vacinação contra a covid-19 é destinada a profissionais de saúde que lidam directamente com doentes afectados pelo coronavírus SARS-Cov-2. A acompanhar o momento da primeira vacina a ser administrada no país, a ministra da Saúde, Marta Temido, justificou esta escolha como “pragmática”, mas lembrou que é “apenas o primeiro momento da primeira fase”.

O médico Luís Coentrão, à espera da sua vez para ser vacinado, no S. João Paulo Pimenta
A enfermeira Marta Vasconcelos é vacinada no S. João Paulo Pimenta
O optimismo do enfermeiro José Moreira, do Hospital de S. João, ao receber a vacina Paulo Pimenta
Maria Selmira, auxiliar da urgência de Pediatria do S. João, regista o momento em que é vacinada Paulo Pimenta
A receber a vacina, no Hospital Curry Cabral Daniel Rocha
Local de vacinação no Curry Cabral, em Lisboa Daniel Rocha
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O médico Luís Coentrão, à espera da sua vez para ser vacinado, no S. João Paulo Pimenta

Já em Janeiro, acrescentou — e depois de a chegada de mais 70.200 doses de vacinas esperadas para esta segunda-feira permitir o alargamento da vacinação a profissionais de saúde de outros hospitais —, será a vez de os profissionais e utentes das estruturas residenciais para idosos começarem também a ser vacinados.

António Sarmento, que dirige um dos primeiros serviços do país a organizar-se para combater a pandemia, quis, sobretudo, deixar uma mensagem de confiança a todos os que ainda receiam a nova vacina. “Estou absolutamente confiante, optimista e com esperança [na vacina]”, disse, lembrando que ao longo da sua carreira foram várias as novas vacinas a entrarem na rotina dos serviços de saúde.

A ministra da Saúde, Marta Temida, no Hospital de S. João, este domingo Paulo Pimenta
Os jornalistas em serviço no Hospital de S. João, depois de administrada a primeira vacina contra a covid-19 Paulo Pimenta
À espera de captar a imagem do primeiro vacinado de Lisboa, no Curry Cabral Daniel Rocha
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A ministra da Saúde, Marta Temida, no Hospital de S. João, este domingo Paulo Pimenta

“Vai ser o tempo que nos vai dar a tranquilidade [necessária em relação à vacina]. Reacções vão surgir sempre, como surgem todos os dias com outras vacinas”, disse, afirmando que fica sempre cansado e com dores musculares quando toma a vacina da gripe, mas não é por isso que deixa de a tomar. 

Ao seu lado, a enfermeira Ana Isabel Ribeiro, do seu serviço, era o rosto da felicidade. “Sentimos uma protecção para os nossos colegas, naquele que tem sido talvez o ano mais difícil das nossas carreiras. Acho que [a vacina] é uma esperança para continuarmos o nosso trabalho neste combate à covid-19”, disse ao batalhão de jornalistas que assistia ao momento simbólico. 

Ana Isabel Ribeiro ia continuar a vacinar os colegas até às 14h, hora a que se daria a mudança de turno, preparando-se depois ela própria para receber a vacina, agendada para as 15h36. O entra e sai dos gabinetes destinados à vacinação foi uma constante ao longo de todo o dia. Médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica passavam pelas mãos de colegas chamados a cumprir, em muitos casos, tarefas diferentes das habituais.

Como Luzia Garrido, que trabalha na consulta de oncogenética, dedicada à síndrome de cancro hereditário, mas passou parte do dia de domingo a vacinar colegas. “Estamos num contexto diferente do habitual, mas está tudo a correr lindamente, a trabalhar em equipa, como tem de ser, nestas circunstâncias, a bem da comunidade”, disse.

Para Luzia Garrida e muitos outros, como referiu o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, vacinado no São João durante a manhã, a vacinação contra a covid-19 é também um “acto de cidadania”. E uma oportunidade de tranquilizar aqueles que ainda temem ser vacinados. No Curry Cabral, a enfermeira Maria Inês Pereira referiu-se a isso mesmo, afirmando que “os profissionais de saúde têm um papel importante de desmistificar e aliviar os receios” normais das pessoas.

Pelas 20h30, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, Fernando Araújo, garantiu que o objectivo de vacinar 2125 profissionais daquela unidade de saúde iria “ser cumprido”, mesmo tendo sido ultrapassada a hora prevista para o final da vacinação deste domingo, que eram as 20h. Naquele momento, disse aos jornalistas, estavam a ser realizadas “as últimas tomas da vacina” que permitiriam chegar àquele número. 

Quanto às reacções, o responsável do São João garantiu que foram muito poucas (“seis ou sete”) e “nada de relevante”, o que, defendeu, é mais um sinal de que as pessoas “podem confiar na segurança da vacina da BioNTech-Pfizer”.

Em Lisboa, mais de 1700 pessoas receberam a vacina até às 21h, quando terminou o primeiro dia de vacinação. Nos hospitais de Curry Cabral e de São José, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, foram 1240, enquanto no de Santa Maria foram 520. 

O Ministério da Saúde fará um balanço final da vacinação no Porto, Coimbra e Lisboa quando terminarem os três dias desta primeira fase do plano de vacinação. 

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