Governo quer criar agência para multar quem não cumprir medidas anticorrupção

Em causa estão novas obrigações que abarcam entidades públicas além de médias e grandes empresas como a elaboração de planos de prevenção e de códigos de conduta. Titulares de cargos políticos condenados por corrupção passam a poder ficar impedidos de serem eleitos ou nomeados.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

O Governo quer criar uma agência especializada na prevenção da corrupção com competência para aplicar multas às entidades públicas e privadas que não cumprirem as novas obrigações destinadas a evitar este tipo de práticas, que passam pela realização de planos de prevenção e de códigos de conduta, além da criação de canais internos de denúncia. Isso mesmo está previsto na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, um documento com 78 páginas divulgado esta segunda-feira e que estará no próximo mês e meio em discussão pública.

A estratégia assenta numa aposta clara na prevenção, assumindo que “a capacidade repressiva do Estado nunca será suficiente se não houver uma intervenção a montante que enfrente as raízes do problema”. A solução, diz o Governo, passa pela “criação de um regime geral de prevenção da corrupção, envolvendo obrigações para os sectores público e privado e estabelecendo conse­quências para o incumprimento”.

Tal implica que tanto organismos públicos como médias e grandes empresas fiquem obrigadas a avaliar os riscos de corrupção e suborno associados ao tipo de actividade que desenvolvem e a adoptar medidas para os reduzir, o que implica a realização de planos de prevenção. Associados a estes instrumentos terão que ser criados códigos de conduta que descrevam os comportamentos esperados de todos os trabalhadores e manuais de boas práticas. Terão igualmente que ser criados canais internos de denuncia que protejam os denunciantes e nomeado um ou mais responsáveis por estes mecanismos de prevenção.

Para quem não cumprir as novas exigências “propõe-se que sejam previstas sanções, nomeadamente contra-ordenacionais, aplicáveis quer ao sector público, quer ao sector privado”, afirma-se na estratégia. E resume-se: “Para garantir a efectividade das políticas anticorrupção, a implementação dos mecanismos de prevenção e a operacionalidade e eficácia do sistema, im­põe-se a existência de um Mecanismo (ou Agência) autónomo, que agregue competências e detenha poderes de iniciativa, de controlo e de sanciona­mento”. Para as empresas incumpridoras, a estratégia sugere também outro tipo de sanções (além das multas) como que fiquem impedidas de participar em processos de contratação pública, o que vai implicar alterações no Código das Sociedades Comerciais.

Assumindo que há falta de dados sobre a dimensão e características da criminalidade económico-financeira, o Governo propõe igualmente que esta agência fique responsável por elaborar anualmente um relatório anticorrupção que “assegure um conhecimento mais real da extensão dos fe­nómenos corruptivos” e sugira políticas activas de pre­venção e repressão.

Na passada quinta-feira a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, anunciou em conferência de imprensa algumas das medidas previstas, mas não disponibilizou o documento. A estratégia não especifica as propostas legislativas que algumas soluções implicam, deixando ainda dúvidas, por exemplo, sobre os termos em que o Governo quer dispensar ou atenuar a pena de quem tiver denunciado crimes de corrupção ou afins. Fica claro que desaparece o prazo de “30 dias após a prática do acto” para a denúncia ter efeitos, mas a dispensa de pena pressupõe “sempre que o crime seja de­nunciado em todos os seus contornos antes da instauração do procedimento criminal”.

Também fica claro que o Governo quer abrir a porta à Justiça negociada, permitindo a realização de acordos sobre a pena aplicável, na fase de julgamento, a quem aceitar a confissão livre e sem reservas. Mas o que defende afasta-se da figura da delação premiada como está prevista no direito brasileiro, que permite a um suspeito beneficiar da redução ou mesmo um perdão de pena em troca da denúncia de outros parceiros. “Deverá ficar afastada uma configuração do instituto que premeie, atra­vés da redução da pena aplicável, quem colabore responsabilizando outro ou outros arguidos”, lê-se no documento.

Documento está em discussão pública

O documento em discussão pública prevê que os titulares de cargos públicos condenados por corrupção passem a poder ficar proibidos de exercer funções até um máximo de dez anos, o que duplica o prazo existente no Código Penal. Para colmatar uma lacuna detectada, a estratégia sugere ainda que uma pena acessória equivalente seja prevista igualmente para os titulares de cargos políticos, o que implica que estes passam a poder ficar incapacitados de serem eleitos ou nomeados para cargos políticos igualmente por um máximo de dez anos.

Sugere-se ainda o “reforço da acção de controle e fiscalização financeira do Tribunal de Contas” (TdC), como meio de promover a maior transparência. Para tal terá que ser revista a lei de organização deste tribunal defendendo o Governo que a fiscalização prévia deve ficar restringida “aos actos e contratos de maior valor” para ser alargada a competência do TdC a “entidades cuja actividade seja maioritariamente financiada por dinheiros públicos”.

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