Quem Pode, Pod: especial Black Lives Matter

Mergulhámos no mundo dos podcasts para descobrir o que podemos aprender sobre o racismo. As respostas surgem de diversas formas e em tempos variados. Podemos escutar histórias do dia-a-dia ou encarar, finalmente, a nossa história. O importante é continuar de ouvidos abertos.

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Link na Bio
O humorista Carlos Pereira não quer ser o “embaixador da causa” só porque é negro, mas sugerimos começar este percurso por um episódio do seu podcast Link na Bio. Nele, Carlos reflecte sobre os comportamentos que rodeiam o movimento Black Lives Matter (BLM) e sobre como as pessoas se sentem empurradas para tomar partido acriticamente.

Apontam-se dedos para estar na frente do movimento e “ficar do lado certo da história”, usam-se as palavras certas (“privilégio”, “consciência social”) e o mais importante — falar sobre o racismo, o elefante na sala de um “casal que nunca fala” — corre o risco de ficar para segundo plano.

Carlos Pereira esteve na rua no dia 6 de Junho, numa das várias manifestações que, em várias cidades do país, protestaram contra o racismo. Foi “bonito” e “comovente”, conta. Pela primeira vez, “os salvadores do planeta” tiveram de ceder o lugar à frente dos holofotes porque apareceu “muita malta jovem, racializada e capaz de assumir a frontline da luta”.

Globalistas – Racismo e Revisionismo
Os Globalistas é um podcast de dois jornalistas, João Póvoa Marinheiro e Filipe Caetano, sobre assuntos internacionais. Neste episódio, gravado a 10 de Junho, dias depois das manifestações anti-racistas e no aniversário da morte de Alcindo Monteiro, João Marinheiro está de férias e o historiador Rui Tavares é chamado para a conversa.

Rui Tavares reconhece o “potencial explosivo” do movimento BLM, mas sublinha que a movimentação global que se criou a partir da morte de George Floyd pode ser impulsionadora de uma revisitação da história há muito necessária. “É sempre importante revisitar a história, reaprender com ela. Porque na história pode estar uma parte das respostas que a gente precisa para as perguntas que temos hoje.” 

estátuas para derrubar? Devemos analisar o colonialismo aos olhos de hoje? O historiador fala dos mitos, medos e teorias da conspiração que assombram as discussões sobre o racismo e o colonialismo a Norte do Mediterrâneo, mas sublinha que é fundamental ultrapassá-los para a Europa resolver as suas relações com África, um continente em ascensão e que vai ganhar destaque nas próximas décadas e construir um futuro mais harmónico. “Não é mascarar ou reescrever, é conhecer a história que existiu.”

Momentum: A Race Forward Podcast
A Race Forward é uma organização sem fins lucrativos que tem como objectivo sensibilizar as pessoas para as questões relacionadas com justiça racial. O seu podcast, apresentado por Chevon Drew e Hiba Elyass, nasceu em Setembro de 2019 e pretende gerar uma conversa construtiva à volta do tema.

Chevon e Hiba são duas jovens negras com passados distintos que têm em comum o ter crescido nos Estados Unidos sentindo na pele a discriminação por causa da cor da pele ou da religião. Neste podcast, vamos conhecendo pessoas que, tal como elas, se sentiram inclinadas a trabalhar na área dos direitos humanos. Muitas delas têm em comum uma experiência de discriminação.

No primeiro episódio, Chevon Drew conta-nos que quando andava na universidade chegou a pensar que o racismo iria acabar por causa das mensagens que recebia dos media. Hoje, tem uma visão mais crítica da comunicação social e dos seus mecanismos que procuram cliques sem na verdade contribuir para uma verdadeira mudança.

O podcast é actualizado mensalmente, tendo estado interrompido durante a pandemia. Voltou quando o movimento Black Lives Matter começou a ganhar visibilidade nos Estados Unidos, após a morte violenta de George Floyd nas mãos da polícia. No episódio que partilhamos neste artigo, Chevon e Hiba falam dos seus sentimentos perante o movimento actual e recordam vários anos de luta ao lado de colegas brancos “que passaram o fim-de-semana num brunch”, alheios a este leque de sentimentos que mistura raiva, frustração, cansaço.

Ouvi-las a conversar pode ser uma porta de entrada para a compreensão da experiência dos negros, mas não só. Dos imigrantes, das minorias religiosas, das pessoas com algum tipo de deficiência, dos homossexuais. E elas até deixam alguns conselhos para os “amigos brancos” que se podem resumir numa simples atitude não ficar indiferente e não ter medo de procurar “conversas desconfortáveis” com aqueles amigos que pretendemos apoiar. Afinal, o desconforto sempre fez parte do dia-a-dia de uma parte da população.

Seeing White
Seeing White é uma série dentro de um podcast (Scene on Radio) que explora a história do racismo e o que significa ser branco na América. O autor é um jornalista branco, John Biewen, que, com o apoio do especialista em Estudos dos Média Chenjerai Kymanyika, procura desconstruir a história muitas vezes contada de que a América foi construída sobre os valores da igualdade e da liberdade para todos.

É uma história americana, mas, principalmente nos primeiros episódios onde se procura a origem desta maneira de ver o mundo dividido entre brancos e negros, é também uma história universal da construção de uma estrutura na sociedade que acaba por sistematicamente beneficiar uns (os brancos) em prejuízo dos outros (negros). E, conta-nos John Biewen, Portugal teve um papel relevante na construção deste sistema.

No segundo episódio, ouvimos a história de Gomes Eanes de Zurara, biógrafo do Infante D. Henrique, que no século XV descreve os nativos africanos como selvagens, justificando desta maneira a sua escravização. As ideias de Zurara espalham-se pela Europa, impulsionadas também por um sistema económico que se aproveitava dos recursos do continente africano e da sua mão-de-obra escrava para prosperar. Ao longo da história, vários povos fizeram de outros seus escravos, mas foi apenas nos séculos XV e seguintes que as ideias de uma raça, negra, inferior, sub-humana, ganharam força e se espalharam de tal forma que nos dias de hoje o racismo continua a fazer vítimas.

Noutro episódio, Biewen aprofunda a história de Mankato, a cidade do Minnesota onde o jornalista cresceu. Mankato foi, em 1862, palco da maior execução em massa da história dos Estados Unidos. Em apenas um dia, 38 americanos nativos foram condenados à morte pela sua participação na guerra contra os colonos. Tendo crescido em Mankato, Biewen nunca tinha ouvido falar deste episódio negro na história da sua terra.

Biewen mostra-nos como, através de omissões, esquecimentos e reenquadramentos, a história da América, do colonialismo e do imperialismo foi sendo construída com base em premissas falsas e a ideia de um passado glorioso que nunca existiu. No caminho para as sociedades modernas, a divisão entre negros e brancos sobrepôs-se à divisão entre ricos e pobres, e isto são tudo histórias sobre quem está no poder e quer manter a sua posição.

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