SARS-CoV-2 incluído em investigação portuguesa financiada com 4,2 milhões de euros

Projecto europeu passou a incluir a investigação dos efeitos do novo coronavírus no cérebro.

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Vírus SARS-CoV-2 observado ao microscópio NIAID

Uma equipa de cientistas portugueses que investiga vírus com efeitos no sistema nervoso central, como o da febre de dengue, foi autorizada pela Comissão Europeia a incluir no seu trabalho o SARS-CoV-2, que também atinge o cérebro e pode provocar danos neurológicos.

Segundo explicou à agência Lusa Miguel Castanho, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) que faz parte da equipa do projecto No Virus 2 Brain, os estudos recentes vieram não só confirmar que o SARS-CoV-2 atinge o cérebro, como pode causar danos neurológicos graves em alguns pacientes.

“Já havia suspeitas de que o vírus poderia chegar ao sistema nervoso central, com sinais como a perda de paladar e a perda do olfacto”, explicou o especialista. “É o que se passa com o vírus da dengue. Portanto, é lógico que utilizemos as estratégias que estávamos a desenvolver contra o vírus de dengue ao vírus SARS-CoV-2.” Não sendo danos muito comuns, observados em muitos pacientes, nalguns casos os efeitos “são relativamente graves”. 

O projecto recebeu um financiamento europeu de 4,2 milhões de euros no ano passado e arrancou em Setembro de 2019, investigando vírus como o da dengue, da sida ou o zika, na tentativa de encontrar fármacos que inactivem os vírus que chegam ao cérebro.

Este comportamento (atingir o cérebro e provocar danos) não é novo entre vírus, exemplificando com o vírus que provoca a febre de dengue: “Na maior parte dos pacientes [os vírus] não chegam ao cérebro, mas quando chegam causam efeitos neurológicos graves”, explicou. “O vírus da sida tem efeito parecido em alguns pacientes. Há uma condição que se chama demência associada à sida, por causa de depósitos do vírus no cérebro.”

Efeitos mais graves tem o vírus que provoca zika: “É o que tem efeitos mais nefastos ao nível do sistema nervoso central, pois causa microcefalia nos fetos quando infecta mulheres grávidas.”

Quando ao objectivo deste projecto, Miguel Castanho diz que continua a ser o de desenvolver fármacos para inactivar estes vírus no cérebro, incluindo agora no leque de vírus o SARS-CoV-2.

Questionado sobre a fase em que está a investigação e o desenvolvimento de fármacos, o investigador explicou que a equipa já desenvolveu moléculas de raiz, mas ainda está tudo na fase dos testes de segurança. “O mais importante é sempre a toxicologia. Mais importante do que um fármaco fazer bem é não fazer mal, é ser seguro”, disse Miguel Castanho, também professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

O investigador destacou a dificuldade não só de chegar ao cérebro, que tem um alto nível de protecção e é muito sensível, como, uma vez lá, inactivar os vírus. “Mesmo nas artérias que distribuem nutrientes e oxigénio às células nervosas a parede é muito blindada. Deixa passar oxigénio, nutrientes e hormonas, mas pouco mais”, disse. “Esta blindagem do cérebro é um grande fastor de protecção, mas é uma enorme complicação quando queremos corrigir uma doença e gostaríamos que um medicamento passasse do sangue para o cérebro.”

Fazer com que estas moléculas cheguem ao cérebro e depois se mantenham activas para aniquilar a acção do vírus “é outra dificuldade”, acrescentou o responsável, lembrando que o projecto inicialmente tinha uma duração de quatro anos, mas deverá agora ter de ser prolongado.

Ao mesmo tempo dos testes de segurança, em laboratório (in vitro) a equipa está igualmente a fazer testes da actividade das moléculas: “É preciso também testar a capacidade que estas têm de impedir a infecção de células pelo vírus.”

“Vamos por partes. Primeiro, é preciso ver da segurança, depois testar como se atravessam as paredes das artérias para chegar ao cérebro e, depois, perceber como se dá a inactivação do vírus. Só depois passamos aos testes em animais, para ver se tudo acontece ao mesmo tempo e se não há imprevistos.”

Só depois disto é que o projecto avança para testes em humanos, uma altura em que terá já de se envolver a indústria.

Miguel Castanho diz que este vírus novo veio enriquecer o projecto, mas frisa que todas as outras investigações nos restantes vírus se mantêm. “Seria um erro muito grande de todos nós se começássemos a investigar só SARS-CoV-2 e parássemos tudo o resto. Porque tudo o resto não parou”, concluiu.

A nível global, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 257 mil mortos e infectou quase 3,7 milhões de pessoas em 195 países e territórios. Mais de um 1,1 milhões de doentes foram considerados curados. Em Portugal, morreram 1089 pessoas das 26.182 confirmadas como infectadas, e há 2076 casos recuperados, de acordo com a Direcção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detectado no final de Dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4500 milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando sectores inteiros da economia mundial. Face a uma diminuição de novos doentes em cuidados intensivos e de contágios, alguns países começaram a desenvolver planos de redução do confinamento e em alguns casos a aliviar diversas medidas.

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