Tribunais querem retomar actividade, mas queixam-se de não lhes facultarem meios suficientes

Disponibilização de salas de audiências virtuais pelo Ministério da Justiça é claramente insuficiente para os julgamentos que é necessário fazer, diz Conselho Superior da Magistratura. Ministério da Justiça responde que essa informação não lhe tinha chegado.

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Joaquim Piçarra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça Rui Gaudencio

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) quer que os tribunais regressem, tanto seja quanto possível nesta altura, à sua actividade normal. Mas o Ministério da Justiça não lhes está a facultar meios suficientes para que isso possa acontecer – e que passam sobretudo, segundo os responsáveis este órgão, pela disponibilização de salas de audiências virtuais que permitam fazer julgamentos.

Segundo o vice-presidente do CSM, José Lameira, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos do Ministério da Justiça apenas facultou um total de 157 salas de audiências virtuais aos tribunais portugueses. E se nas instâncias superiores – nos Supremo e nos Tribunais da Relação – as 12 salas criadas permitirão retomar os trabalhos com alguma normalidade, o mesmo não sucede com as restantes 145 destinadas aos tribunais de primeira instância, que são muitos mais. “O número de salas disponibilizadas pelo instituto é claramente insuficiente para todo o país”, lamentou o magistrado.

Perante o prolongar de uma situação causada pela pandemia covid-19, e com o serviço dos tribunais a acumular-se, foi decidido que os processos não urgentes, que até agora têm estado parados, poderão retomar o seu andamento, caso seja possível salvaguardar a saúde de todos os intervenientes – de funcionários judiciais a juízes, passando por advogados e arguidos. “A partir do próximo dia 16 teremos a retoma do serviço não urgente no Supremo, e espero que o mesmo venha a suceder nos tribunais da relação. Mas na primeira instância isso é um pouco mais difícil”, reconheceu o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Piçarra, a quem cabe dirigir, por inerência de funções, o CSM. A cada uma das seis maiores comarcas judiciais do país foram facultadas dez salas virtuais, enquanto às de menor dimensão, que são a esmagadora maioria, foram atribuídas cinco salas. Não chega, corrobora este magistrado.

Numa nota emitida esta quarta-feira, o CSM diz que estado em contacto permanente com o Ministério da Justiça “no sentido de serem facultados, com a urgência que os tempos de emergência exigem, as ferramentas necessárias para que os tribunais possam exercer as suas funções (...), ciente de que só os meios informáticos podem ajudar a ultrapassar os condicionalismos resultantes da pandemia”. Porém, nem sempre a sua ajuda se tem revelado inócua. O vice-presidente do CSM contou que as gravações audio dos julgamentos feitos à distância com recurso a ferramentas como o Whatsapp ou o Zoom, por exemplo, para substituir os instrumentos que não estão a ser disponibilizados em quantidade suficiente pelo Ministério da Justiça, correm o risco de ser anulados, caso a qualidade do som não seja suficientemente boa para permitir o seu uso como prova em eventuais recursos das sentenças para os tribunais superiores. 

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça explica que as 157 salas virtuais estão disponíveis desde 31 de Março, tendo o instituto encarregue da gestão dos equipamentos da justiça "mostrado disponibilidade para proceder à aquisição de mais licenças, sempre que tal se justifique. Só nesta sexta-feira uma única comarca manifestou essa necessidade, que irá ser “satisfeita de imediato”, assegura a tutela. “Não há qualquer outro sinal de insuficiência do número de salas atribuído, sendo certo que os elementos disponíveis não permitem afirmar que até agora esta valência tenha sido utilizada em toda a sua extensão, tanto mais que esta ferramenta acresce aos demais meios já instalados em todas as salas de audiência”, como a videoconferência.

Esta quinta-feira o presidente do Supremo Tribunal de Justiça quis deixar também uma mensagem de esperança: “A justiça não parou e continua a salvaguardar direitos, liberdades e garantias”, mesmo se se registou, desde o início da declaração do estado de emergência, o adiamento ou cancelamento de mais de 34 mil diligências marcadas, incluindo julgamentos. Mas deixou também um aviso: “Os crimes de desobediência, como o desrespeito da obrigação de confinamento e a propagação do vírus, terão a resposta adequada por parte da justiça portuguesa”.

Segundo dados avançados pelo CSM, das mais de 150 situações deste género identificadas pelas autoridades desde o início do estado de emergência apenas 18 tiveram julgamento imediato. O que significa que os restantes casos poderão estar ainda a ser alvo de investigação ou então terem sido arquivados pelo Ministério Público. 

O Conselho Superior da Magistratura ignora quantos agentes do sistema de justiça terão até agora sido infectados pelo coronavírus. Mas serão muito poucos, a julgar pelos casos conhecidos. Questionado pelos jornalistas, numa conferência de imprensa realizada por teleconferência, sobre por quanto tempo poderá o sistema manter-se a funcionar com adiamentos e actos praticados à distância, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça admitiu não conseguir calcular esse período de tempo: “Não tenho poderes adivinhatórios. É difícil de prever”. Possibilidades como a de os juízes abdicarem das férias serão discutidas numa das próximas reuniões do CSM. 

Joaquim Piçarra falou ainda da libertação antecipada decidida pelo Governo de pelo menos 2200 reclusos, como medida preventiva para evitar a sua contaminação das cadeias. Para garantir que os Tribunais de Execução de Penas estão "apetrechados e preparados” para responder a este desafio. Aos apenas 20 juízes que deles fazem parte neste momento juntar-se-ão, para esse efeito, vários colegas provenientes dos tribunais criminais que se ofereceram para o efeito e ainda outros magistrados vindos da chamada bolsa de juízes. 

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