Coronavírus: a histeria das máscaras “tira-medos” e outros mitos
Portugueses compraram em Janeiro mais de 92 mil máscaras descartáveis de protecção individual, contra 25 mil no ano passado. Este mês terá sido ainda pior.
Se já souber o que quer dizer a sigla FFP3, possivelmente já foi contaminado pela pandemia do medo. Nesse caso, já aprendeu que existem três classes de máscaras descartáveis que protegem o seu utilizador de tipos específicos de partículas (de acordo com o seu diâmetro) e que a protecção mais elevada é garantida pelas FFP3. No entanto, uma rápida pesquisa sobre a eficácia do uso das máscaras leva qualquer pessoa à rápida conclusão de que de pouco ou nada servem, que devem ser usadas por pessoas infectadas e profissionais de saúde e que muito melhor do que tapar a boca e o nariz é lavar as mãos frequentemente.
A rapidez e quantidade da informação divulgada e partilhada já mostrou que a epidemia do novo coronavírus é a mais moderna de todos os tempos. Há vários grupos de cientistas e sites de informação que disponibilizam “dados em tempo real” sobre a Covid-19 no mundo. No entanto, já todos sabemos que quantidade não é sinónimo de qualidade. Assim, a propagação de informação falsa ou simplesmente errada é igualmente eficaz. Esse dado aliado ao medo é o suficiente para instalar uma grande confusão na opinião pública. E os sintomas de uma quase histeria manifestam-se de forma clara com uma corrida às farmácias para comprar máscaras, gel desinfectante e até luvas.
Um texto publicado esta semana no jornal El Mundo sobre a loucura colectiva pelas máscaras em Espanha, onde na sexta-feira havia 31 pessoas com a Covid-19 (e nenhuma morte até ao momento), termina assim: “Não há pior epidemia do que o medo.” O mesmo texto citava um farmacêutico de Santa Maria de la Cabeza, em Madrid, que concluía que as máscaras “são na realidade tira-medos, porque não vão travar a doença”. Em breve, arrisca José Antonio, as multidões assustadas vão passar também a procurar luvas.
“Neste momento em Portugal ninguém deve usar máscara”, clarifica ao PÚBLICO o pneumologista Filipe Froes, consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), sublinhando que na altura em que falamos não existe ainda nenhum caso de infecção em Portugal. Mas, será uma questão de tempo. “Numa fase subsequente quem deve usar máscara são as pessoas infectadas para diminuir o risco de infecção na comunidade e, numa terceira fase, de ainda maior disseminação do vírus, devem também usar máscara as pessoas que estão identificadas como pertencentes a grupos de risco”, diz o médico.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem insistido que o uso de máscaras é aconselhado a pessoas infectadas e profissionais de saúde. “As pessoas saudáveis só devem usar máscara se estiverem a cuidar de uma pessoa infectada.” Os especialistas em saúde pública e em doenças infecciosas deste tipo dizem o mesmo.
“Não é fácil combater esta histeria quando as pessoas vêem na televisão pessoas importantes de máscara”, reconhece Filipe Froes lembrando, por exemplo, as imagens do Presidente da China. “Mas ele foi a uma zona de infecção”, alerta. Entre muitas outras notícias, circulava esta sexta-feira uma história sobre a actriz Gwyneth Paltrow que chegou a Paris com uma máscara de 60 euros. Filipe Froes também leu o artigo e responde: “O que deve motivar o comportamento das pessoas é o conhecimento, a racionalidade. Não é nem a moda nem a histeria.” Nem a ignorância, acrescenta. Aliás, o médico alerta que um uso incorrecto da máscara (mal colocada ou se mexermos nela com as mãos) pode até ser prejudicial. O que é importante, sublinha, é lavar frequentemente as mãos. Filipe Froes garante ainda que não tem máscaras em casa, mas, pelo sim, pelo não, a maioria das pessoas no país já está a garantir um pequeno stock doméstico de máscaras.
Outros mitos
De nada parece servir dizer que, no passado Inverno, a gripe sazonal matou mais gente em Portugal do que o novo coronavírus em todo o mundo, ainda que também seja verdade que a taxa de mortalidade global da gripe (abaixo de 1% contra as estimativas de 2% para o SARS-CoV2) é bastante inferior pois há muito mais pessoas infectadas. Dados divulgados ao PÚBLICO pela Associação de Nacional de Farmácias mostram que só no passado mês de Janeiro (ainda não há dados sobre Fevereiro mas teme-se o pior) foram vendidas mais de 92.528 máscaras em Portugal. No mesmo mês de 2019, as vendas foram de 25.835.
No “mercado de desinfectantes” o aumento é mais tímido, de 63.337 embalagens em 2019 as compras passaram para 83.989 em 2020. E, como sempre, quando a procura é superior à oferta, os preços disparam. Vários meios de comunicação social já espalharam as notícias de máscaras à venda na Amazon a mil euros, mas nem é preciso chegar a tanto porque, numa farmácia perto de si, eles estarão actualmente à venda por preços muito mais elevados do que o normal. O normal será um euro (ou menos do que isso) e nalguns locais custam já dez vezes mais.
A OMS tem ainda um espaço no seu site oficial para aconselhamento do público a que chamou “Myth busters” (qualquer coisa que numa tradução literal seria “caça mitos”). Neste local a OMS informa, por exemplo, que os secadores de mãos não matam o vírus, que pulverizar todo o corpo com álcool não vai matar o vírus e pode ser prejudicial para a saúde, que as encomendas ou cartas que chegam da China são seguras, que não há qualquer prova que indique que os animais de estimação como os cães e gatos transmitam o vírus, que as vacinas para a gripe sazonal não protegem as pessoas para este coronavírus, que os antibióticos (usados para combater bactérias e não vírus) não servem para tratar a Covid-19. E muito mais.
(Notícia actualizada e corrigida acrescentando-se a informação da taxa de mortalidade da gripe sazonal que é bastante inferior às estimativas que são feitas para o coronavírus. Ainda que em números absolutos, o número de vítimas mortais da gripe seja bastante superior pois afecta muito mais pessoas. O número de mortes em Portugal atribuíveis à gripe é referente ao passado Inverno e não ao actual)