Diminuiu o tempo que médicos e enfermeiros dedicam aos cuidados paliativos

Seis distritos não têm ainda nenhuma equipa de cuidados paliativos, revela relatório do Observatório Português dos Cuidados Paliativos. A “profunda assimetria” regional da alocação destas equipas é agravada pela falta de investimento nos recursos humanos.

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“Não houve um verdadeiro investimento na dotação de recursos humanos” em cuidados paliativos Daniel Rocha

O tempo alocado pelos profissionais de saúde aos cuidados paliativos baixou significativamente em 2018 face a 2017, revela um estudo, segundo o qual faltam mais de 400 médicos e 2000 enfermeiros na rede nacional destes cuidados.

O Relatório de Outono 2019, do Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP), analisou a cobertura da rede e caracterizou os recursos humanos, reportando-se a dados vigentes em 31 de Dezembro de 2018.

“Mantém-se a constatação da presença de uma Rede Nacional de Cuidados Paliativos com serviços especializados, mas com nível de prestação generalista. Tal afirmação sustenta-se no preconizado de que apenas com dedicação plena a cuidados paliativos se poderá considerar que os cuidados prestados por estes profissionais se enquadram no nível de diferenciação especializado”, sublinha o estudo.

O estudo concluiu, tendo em conta o horário a tempo inteiro preconizado no SNS, de 40 horas semanais para os médicos e 35 horas para os restantes profissionais, que faltam cerca de 430 médicos, 2141 enfermeiros, 178 psicólogos e 173 assistentes sociais na rede.

"O corpo principal” das equipas “está pior agora"

O coordenador do OPCP - Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica, Manuel Luís Capelas, salienta como positivo o aumento do número de serviços, a maior abrangência populacional pelas equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos e algumas equipas já terem psicólogo e assistente social a tempo inteiro.

“Mas temos depois o outro lado, que é o corpo principal das equipas que, se já não estava bem em 2017, está pior agora com a redução de forma estatisticamente significativa do tempo médio de alocação semanal a cuidados paliativos”, o que pode “pôr em causa a qualidade e o tempo de atendimento” aos doentes, afirma.

“Na prática temos 188 médicos, mas quando juntamos o seu tempo alocado semanalmente corresponde a 66, o que é praticamente um terço”, disse, defendendo que deveriam existir 496. Já os enfermeiros são 429, mas o seu tempo alocado só corresponde a 243, praticamente 50%, quando deveriam ser 2384.

O estudo aponta a existência de, pelo menos, um médico a tempo inteiro em apenas em 17% das Unidades de Cuidados Paliativos (UCP), em 38% das equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos (EIHSCP) e em 42% das equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos (ECSCP).

A nível total dos recursos, 33% têm pelo menos um médico a tempo inteiro, 79% têm pelo menos um enfermeiro, 14% têm pelo menos um assistente social e 11% pelo menos um psicólogo. “Quando temos em conta a população que, por exemplo, é abrangida pelas equipas comunitárias, que é um grande indicador da evolução dos cuidados paliativos em diversos países, nós verdadeiramente temos uma cobertura populacional que atinge 28% da população”, lamentou.

Para Manuel Luís Capelas, estes são “dados significativos” que demonstram que “não houve um verdadeiro investimento na dotação de recursos humanos” para garantir a acessibilidade aos cuidados. “O número de doentes é grande, cerca de 140 mil por ano, aos quais acrescem cerca de 700 mil familiares”, mas a taxa de cobertura é “muito reduzida”, não correspondendo “em nada aos mínimos exigidos”, lamentou Manuel Luís Capelas.

Seis distritos não têm nenhuma equipa de cuidados paliativos

Para além da falta de profissionais, a cobertura de cuidados paliativos revela "profundas assimetrias” no país, com seis distritos sem nenhuma equipa e outros com taxas superiores a 100%, segundo um relatório hoje divulgado.

“Mais uma vez se verificam assimetrias significativas com seis distritos (Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Leiria e Vila Real) sem nenhuma equipa e outros com taxas superiores a 100%”, nomeadamente Beja e os Açores.

“No terminus do primeiro plano estratégico nacional de cuidados paliativos [2017/2018], embora exista evolução no número de recursos desta tipologia de cuidados, continua-se com uma cobertura, estrutural e profissional, nacional e na generalidade dos distritos, muito abaixo do minimamente aceitável a que acrescem profundas assimetrias, a nível distrital”, salienta o estudo, a que a agência Lusa teve acesso.

O observatório alerta que esta assimetria “não garante uma abordagem especializada integrada e articulada entre as diferentes valências/equipas, por ausência de uma ou mais valências, sendo um sério obstáculo à acessibilidade a estes recursos como um direito humano e condição nuclear para uma cobertura universal de saúde”.

O coordenador do OPCP - Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica, Manuel Luís Capelas, lamenta a manutenção desta “distribuição completamente assimétrica do tipo de recursos e de alocação de recursos, sejam humanos ou estruturais”. “Leiria só tem uma equipa inter-hospitalar, não tem uma cama de internamento, não tem uma equipa comunitária, e depois temos outras regiões do país que até têm coberturas superiores àquilo que é estimado pela ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] e que é considerado em termos internacionais”, vincou.

“Temos uma franja da população, seja ela do mais baixo nível socioeconómico ou do mais elevado nível socioeconómico que tem grandes dificuldades para aceder a estes cuidados”, sublinhou. “Se derem resposta a 500, 600, 700 doentes” num universo se 140 mil doentes a taxa de resposta é mínima, elucidou.

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