O Sabotage, “ponto de ignição” do rock em Lisboa, tem fim anunciado

Bar do Cais do Sodré ainda não tem data de saída, mas os proprietários já foram informados que terão de deixar o espaço. Estão à procura de um novo local, mas não tem sido fácil. As rendas estão “caríssimas”, dizem.

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José Maria Sousa e Ana Paula Flores, dois dos fundadores do Sabotage Andreia Gomes Carvalho

Tem aquele ar underground, escuro, mas intimista. Essa proximidade quer-se também que exista sempre que uma banda sobe ao palco e só um degrau a afasta das pessoas que enchem a casa para a ouvir. O Sabotage não um bar ou clube histórico, mas os seus fundadores acreditam que já fez história. Uma história que tem fim anunciado, depois de seis anos de portas abertas e com muita música e memórias impressas naquelas paredes. Em Novembro do ano passado, o proprietário do prédio, a empresa Up Down Lisbon Lda, do grupo Mainside Investments, comunicou-lhes que teriam de deixar o espaço que hoje ocupam, no número 16 da Rua de São Paulo, no coração da noite lisboeta.

De acordo com os responsáveis do Sabotage, a sua saída está dependente do início dos trabalhos de transformação do prédio em alojamento turístico, para os quais estarão ainda pendentes as devidas autorizações. O PÚBLICO tentou, por diversas vezes, obter mais esclarecimentos junto do grupo Mainside Investments, mas tal não foi possível. O mesmo grupo era o proprietário do Lx Factory — vendeu-o em 2017 ao grupo francês Keys Asset Management  — e do prédio do histórico Bar Oslo, que também já encerrou.

Aberto há seis anos, a história do Sabotage, instalado no Cais do Sodré, começa muito antes desse 1 de Maio de 2013. O Sabotage nasceu como editora e distribuidora especializada em música independente que aparecia mundo fora. No entanto, em 2008, com a crise financeira, a actividade tornou-se “impossível”. As lojas foram diminuindo e desaparecendo, os jornais reduziram os seus espaços de divulgação. “O CD morreu.” “Nós achámos que a maneira de ultrapassar essa situação seria trazer essas bandas que representávamos” — conta Ana Paula Flores, uma das fundadoras —, fossem essas bandas nacionais ou estrangeiras, recentes ou consagradas, de rock ou mais alternativas. E foi assim que ela, José Maria Sousa e Carlos Costa canalizaram a sua paixão pela música para criar um clube no Cais do Sodré.

O Sabotage acabaria por nascer num velho espaço, fechado há anos, onde funcionara um restaurante madeirense que tomaram de trespasse. Quando ali entraram, ainda havia mesas postas, garrafas de vinho cheias de pó. Os tectos estavam no chão.

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A equipa que está actualmente à frente do espaço Andreia Gomes Carvalho

Depois de ano e meio de espera pelo licenciamento camarário, e três meses de obra, o Sabotage abriu as portas a 1 de Maio de 2013. Desde então, passaram por ali mais de duas mil bandas como Kid Congo Powers, os Mutantes, The Pretty Things ou Lydia Lunch, Mão Morta, Telectu ou os Pop Dell’Arte.

Um “projecto válido” em Lisboa

Quando pensaram em abrir um bar como o Sabotage, pensaram-no para ser sala de espectáculos, um espaço que se tornasse ponto de referência para bandas emergentes — para que estas soubessem que havia um lugar em Lisboa disponível para tocarem, se assim quisessem — que servisse de “ponto de ignição”. “Nós criámos este espaço de raiz para ser um recinto de espectáculos, devidamente equipado, que proporcionasse tanto aos músicos como aos espectadores uma experiência intimista”, diz a fundadora. Tão íntimo como quando Ana Paula Flores se atreve a subir as escadas para o camarim e fica só ali a escutar os músicos a afinar acordes, a trautear letras. “Só aquilo é já um concerto”. “Acho que este espaço tem características únicas. Foi criado a pensar na música e nos seus músicos como o mais importante”, diz.

Antes de o Sabotage abrir portas, o Music Box era quase uma ilha. Desde então, abriram bares e restaurantes, os horários alargaram-se e o Cais do Sodré tornou-se um dos destinos nocturnos preferidos de lisboetas e visitantes. Nesta mudança que aconteceu na cidade, “os espaços culturais são sempre os primeiros sacrificados”, nota José Maria Sousa. “Se isto for só hotéis e restaurantes e não houver espaço de expressão…”.

Nos próximos tempos, avizinham-se mais mudanças naquela zona. As discotecas Europa, Tokyo e Jamaica deverão mudar-se para a zona junto ao rio para uns pavilhões da Câmara de Lisboa, tendo como vizinhos a discoteca africana B.Leza e o bar do músico Manuel João Vieira, Titanic Sur Mer.

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Em seis anos, passaram por ali mais de 2000 bandas Andreia Gomes Carvalho

Enquanto o futuro não se define, os sócios do Sabotage têm andado a procurar outros espaços, mas as rendas estão “caríssimas”, dizem. Agora, deixam um apelo a quem souber de algum local para onde se possam mudar. “Eu acredito que este projecto consegue viver além deste espaço físico”, diz Ana Paula Flores. José Maria Sousa, por seu lado, lança ainda um apelo à autarquia “para olhar para o Sabotage como um projecto válido na cidade de Lisboa”.

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