Moradores do Prédio Coutinho queixam-se de tratamento indigno no despejo da VianaPolis

Sem água desde segunda-feira, os moradores do prédio temem ficar sem gás e telecomunicações até ao final de terça-feira. Alguns deles recusam-se a sair de casa sob pena de não regressarem, numa manobra que entendem lesar a sua dignidade. A VianaPolis diz que nove residentes permanecem no edifício.

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Últimos 11 moradores recusam entregar a chave das suas casas à empresa VianaPolis ADRIANO MIRANDA

A PSP já vigiava o Coutinho na segunda-feira, data para a qual a VianaPolis agendara o despejo das 11 pessoas que ainda lá moram, mas, nesta terça-feira, o cenário junto à entrada do edifício incluiu também agentes de segurança privada, contratados pela sociedade detida pelo Estado (60%) e pela Câmara de Viana do Castelo (40%). A entidade trocou ainda as fechaduras, quer das entradas, quer das portas de várias das 105 fracções, no interior do prédio. Como resultado, os moradores vêem-se obrigados a manter-se em suas casas, sem hipóteses de receberem familiares ou amigos, ou a saírem. “Estão a limitar as entradas e saídas [do edifício] apenas a moradores e funcionários da VianaPolis”, afirmou o advogado Magalhães Sant’Ana, na tarde desta terça-feira, junto à entrada do prédio, considerando mesmo que os “moradores do edifício estão sob sequestro”, por causa de uma acção de despejo que está a ser conduzida de forma “bizarra”.

O desagrado para com a sociedade criada em 2000, ao abrigo do programa Polis, é também verbalizado pelos moradores, que estão sem água desde segunda-feira e podem ficar sem gás e telecomunicações até ao final de terça. Residente no Coutinho desde os anos 80, Valdemar Cunha decidiu sair à rua nesta terça-feira. Alegou que os residentes estão a ser tratados como “meros criminosos” e relatou um caso em que uma panela de comida, para chegar à varanda de um morador, teve de subir por uma corda no exterior do prédio de 13 andares. “A forma como o processo tem sido conduzido afecta a dignidade dos moradores. Como é possível cortar a água, quando há gente com quase 90 anos?”, interroga-se. “Um cão preso tem direito a água, mas estas pessoas não têm”.

A operação de despejo tem provocado sentimentos de angústia e de revolta a Ivone Carvalho, que, com 75 anos, prefere manter-se no interior da sua habitação, onde vive desde que a construção do também designado Edifício Jardim acabou, por volta de 1975. Também José Santos tem acompanhado o seu pai no interior da habitação dele e promete manter essa atitude enquanto espera por novidades quanto à providência cautelar interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAFB), na segunda-feira, com o intuito de reverter as expropriações desejadas pela VianaPolis, necessárias para a demolição do Coutinho. “Vamos continuar a resistir até quando for preciso. Estamos predispostos a isso”, reiterou. 

O advogado dos moradores ainda está à espera da resposta do TAFB, quanto a essa medida cautelar, mas confirmou que a intimação para protecção das liberdades e garantias foi aceite esta terça-feira pelo órgão judicial. A VianaPolis tem assim cinco dias para contestar essa acção, que não tem, contudo, efeitos suspensivos sobre o processo de saída dos moradores. 

O despejo dos moradores foi agendado para as 9h da passada segunda-feira, depois de, no passado mês de Abril, o TAFB ter considerado improcedente uma providência cautelar apresentada em Março de 2018. Essa acção judicial foi mais um capítulo num processo judicial iniciado em 2006, com vários recursos dos moradores e decisões favoráveis à VianaPolis, inclusive do Tribunal Constitucional, em Dezembro de 2017.

Depois do presidente da Câmara de Viana do Castelo, José Maria Costa, ter dito, na segunda-feira, que vão ser utilizados todos os “meios legais” para o despejo se concretizar, a VianaPolis adiantou à Agência Lusa, no final da tarde desta terça-feira, que há ainda seis fracções por entregar, onde habitam nove moradores.

Moradores falam de demolição escusada

Quem ainda habita no Coutinho acredita que a demolição do prédio poderia ser evitada, caso o anterior mercado municipal, situado nas traseiras do prédio, não tivesse sido demolido, em 2003. “A demolição do mercado municipal e a do Coutinho para se construir um novo mercado, ao invés, é um processo onde se gasta muito dinheiro escusadamente”, refere José Santos. Para Valdemar Cunha, a demolição do anterior mercado foi apenas uma desculpa para se demolir um prédio considerado feio. Ivone Carvalho lamenta, por seu turno, que uma “excelente construção”, sem “qualquer fissura”, esteja em vias de ser demolida.

A demolição do Coutinho está prevista desde 2000, aquando da fundação da VianaPolis. Apesar da Comissão Europeia, numa carta enviada em 16 de Setembro de 2004 ao então Programa Operacional do Ambiente, ter dito que “não era justificável a inclusão de quaisquer custos referentes à demolição e à expropriação” do edifício, essa mesma expropriação foi alvo de uma Declaração de Utilidade Pública, com “carácter de urgência”, em dia 16 de Agosto.

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