Dois ex-governantes e um antigo banqueiro depõem a pedido da defesa de Sócrates
Entre quarta e sexta-feira juiz de instrução da Operação Marquês vai ouvir três das cinco testemunhas que o ex-primeiro-ministro pediu para serem ouvidas e que comprovarão, segundo a defesa, que muitos factos narrados na acusação nem sequer ocorreram. São eles o ex-ministro Teixeira dos Santos, o antigo líder da Caixa Santos Ferreira e o ex-secretário de Estado Carlos Costa Pina.
Para esta quarta-feira está prevista na instrução da Operação Marquês a audição do ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina. No dia seguinte é a vez do ex-ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e na sexta-feira irá depor o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos, Carlos Santos Ferreira. Estas três testemunhas têm em comum o facto de o seu depoimento ter sido pedido pela defesa do antigo primeiro-ministro José Sócrates, que liderou os Governos em que Carlos Costa Pina e Teixeira dos Santos estiveram. Também Santos Ferreira foi escolhido para a Caixa pelo executivo liderado por Sócrates.
No requerimento em que pede a audição destas testemunhas - e de mais dois ex-governantes, Paulo Campos e Fernando Serrasqueiro, cujos depoimentos estão agendados para o final de Junho - os advogados de Sócrates são muito vagos sobre a matéria que pretendem perguntar às testemunhas. Apontam apenas para quatro pontos do requerimento de abertura de instrução, em que dizem que Sócrates “não cometeu qualquer crime, designadamente os crimes por que vem acusado, nem praticou os factos narrados na acusação, muitos dos quais nunca sequer ocorreram”. Garantem que isso mesmo será “absolutamente comprovado” nas “diligências de prova” que irão produzir na instrução, nomeadamente pela inquirição de testemunhas.
Teixeira dos Santos e Carlos Santos Ferreira já tinham sido inquiridos durante a investigação, mas a defesa insistiu que fossem novamente ouvidos pelo juiz de instrução. A defesa de Sócrates quer que o ex-ministro das Finanças fale sobre “toda a matéria da acusação sobre a qual não prestou depoimento por nenhuma questão lhe ter sido colocada”, a mesma referência que faz para Santos Ferreira, o único dos três que surge na lista de testemunhas de acusação.
Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do ex-primeiro-ministro João Araújo não quis revelar as matérias em que incidirão as perguntas da defesa.
No entanto, face ao teor da acusação parece óbvio, que Teixeira dos Santos e Santos Ferreira vão ser questionados sobre a nomeação do antigo ministro Armando Vara, para a administração da Caixa, cargo para o qual foi indicado em Agosto de 2005 pelo então ministro das Finanças, que tutelava o banco público.
Imposição de Sócrates
Segundo a acusação, a nomeação de Vara foi uma imposição de Sócrates que aliás terá pressionado o antecessor de Teixeira dos Santos, Luís Campos e Cunha, a fazer o mesmo, o que este terá recusado, optando por abandonar o cargo menos de quatro meses após ter iniciado funções. Na carta de demissão que o Ministério Público encontrou em casa de Sócrates, diz a acusação, está escrito: “A pressão sistemática relativa à substituição da administração da CGD é contrária às reformas que este grupo necessita e recuso-me a alterar as pessoas sem uma estratégia”.
Facto é que com a entrada em funções de Teixeira dos Santos, a administração da Caixa foi mesmo afastada e, em Agosto de 2005, Santos Ferreira assume a presidência do banco público e Vara um dos lugares de vogal da administração.
A importância desta questão está relacionada com o facto de Vara e Sócrates terem sido acusados por um crime de corrupção por alegadamente terem recebido, cada um, um milhão de euros para beneficiarem os donos do empreendimento Vale do Lobo, no Algarve. “O arguido José Sócrates pretendia utilizar a sua proximidade ao arguido Armando Vara para tomar conhecimento, por via do mesmo, de operações em curso na CGD, acordando com o mesmo o apoio do accionista Estado, quando necessário, para fazer prevalecer decisões, designadamente em sede de concessão de créditos”, lê-se na acusação. O ex-primeiro-ministro nega ter tido qualquer intervenção no financiamento a Vale do Lobo.
Em foco na investigação estiveram a forma como foram obtidos cinco dos 12 empréstimos atribuídos pela Caixa a Vale do Lobo, no valor de mais de 216 milhões de euros, na altura em que Vara era administrador. O Ministério Público considera ainda que Vara teve um apoio determinante no facto da Caixa ter tomado a iniciativa de subscrever 25% do capital social das sociedades que detinham o empreendimento Vale de Lobo, o que significou uma diminuição do esforço de financiamento em mais de 30 milhões de euros.
Santos Ferreira irá certamente falar sobre a intervenção da Caixa na OPA que o grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) fez à Portugal Telecom e na posição que o banco público, detentor de uma participação na operadora de telecomunicações, assumiu na Assembleia-Geral de Fevereiro de 2007 que se recusou a alterar os estatutos da empresa, uma condição de sucesso da OPA.
Carlos Costa Pina, que está desde 2012 na comissão executiva da Galp, também poderá ser inquirido sobre a intervenção que o Governo teve no uso das golden shares que o Estado tinha na PT e lhe permitiram vetar, em final de Junho de 2010, a venda da operadora brasileira Vivo à Telefónica, um negócio que acabou por se concretizar umas semanas mais tarde.