Só em 2017 morreram 3540 pessoas devido à poluição atmosférica em Portugal
A poluição do ar foi o quinto principal causador de mortes prematuras em todo o mundo: 4,9 milhões. Em Portugal, o problema matou pelo menos 3540 pessoas. Os países em desenvolvimento são os mais afectados, mas os casos mais graves continuam a ser a China e a Índia.
Em 2017, morreram 3540 pessoas em Portugal devido à poluição atmosférica, em particular por causa das PM2.5 (partículas finas de matéria que medem menos de 2,5 micrómetros em diâmetro). O número não parece grave em comparação com outros países. Em Espanha, por exemplo, foram 13.400 só em 2017, na Ucrânia 45.400, e nos casos mais graves, como o da China, os números chegam às 851.700 mortes.
Estas são algumas das conclusões de um estudo sobre a qualidade do ar de 2017 divulgado na quarta-feira pela State of Global Air, uma plataforma que disponibiliza dados mundiais sobre a qualidade do ar em pelo menos 195 países ou territórios e regiões de um país, bem como informações sobre as tendências da poluição atmosférica desde 1990.
A pesquisa é o resultado de uma colaboração do Health Effects Institute, com sede em Boston, EUA, com o Global Burden Disease (GBD), plataforma integrada no Institute for Health Metrics and Evaluation, e ainda especialistas da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e da Universidade do Texas em Austin, nos EUA.
Sobre este problema, Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, diz ao PÚBLICO que apesar de Portugal apresentar valores muito baixos em relação a outros países, a situação continua a ser preocupante, e isso vê-se no número de mortes.
“A situação em Portugal não é muito grave mas varia muito, ou seja, em termos do ozono temos variações muito grandes de ano para ano. Em 2018 em particular, tivemos um ano calmo, mas depois os valores dispararam naquela onda de calor no início de Agosto”, explica.
Segundo o ambientalista, o ozono está muito ligado a episódios de elevada temperatura, e nesses casos existe um maior risco de poluição atmosférica. Por outro lado, os veículos a gasóleo e a maior circulação em automóvel também fazem aumentar os valores de dióxido de azoto.
“Em relação às PM2.5, estamos com alguns problemas apesar dos valores baixos. Temos tido várias situações de poluição de origem natural porque somos influenciados por partículas vindas do norte de África que fazem aumentar os valores de poluição de PM2.5 e das partículas inaláveis (PM10). Os incêndios também têm um papel importante no aumento destas duas partículas”, explica Francisco Ferreira.
Tal como noticiou o PÚBLICO em Março, o número de mortes causadas por este problema era superior aos estimados pela Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla inglesa) e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Em Portugal, as estimativas dos cientistas apontavam para cerca de 15 mil mortes provocadas pela inalação de partículas finas, ozono e dióxido de azoto, isto em 2015. Ou seja, o estudo de 2015 não só considera mais poluentes para as contas finais como também, por outro lado, se baseia em estimativas distintas dos cientistas e, por isso, resultam em cálculos diferentes.
Francisco Ferreira explica que esta discrepância pode ser explicada pela forma de cálculo utilizada em cada estudo e com o número de poluentes considerados, sendo que algumas investigações consideram para o cálculo da mortalidade apenas as PM2.5, e outras incluem também o ozono, o dióxido de azoto, entre outras.
“Realmente existe uma variação de ano para ano porque se em 2017 tivemos um certa concentração de um poluente, no ano seguinte podemos ter um valor diferente. Se incluirmos um número maior de poluentes vai morrer mais gente, e se incluirmos um número menor, ou apenas um, morrerão menos pessoas”, explica o ambientalista.
Em termos mundiais, a poluição atmosférica foi o quinto principal causador de mortes prematuras registadas em todo o mundo no ano de 2017, superando outros factores como a má alimentação, hipertensão arterial, tabagismo e hiperglicemia. É a maior fonte de risco ambiental, ultrapassando outras causas que têm sido muitas vezes o foco das medidas de saúde pública como a falta de água e saneamento.
Além disso, é responsável por mais mortes do que outras causas de risco bem mais conhecidas, como a desnutrição, o alcoolismo e a falta de actividade física. A cada ano, morrem mais pessoas por causa de doenças relacionadas com a poluição do ar do que de acidentes de viação ou de malária.
O estudo de 2017 da State of Global Air oferece a versão mais actualizada da informação relacionada com a poluição atmosférica do ambiente exterior, bem como a poluição do ar doméstico causada pela utilização de combustíveis sólidos para a confecção de alimentos.
Para rastrear a qualidade do ar exterior, o relatório centra-se nas concentrações de dois poluentes em particular, sendo eles a poluição atmosférica por partículas finas, as PM2.5, e o ozono encontrado próximo do solo (ozono troposférico).
Por outro lado, para averiguar a qualidade do ar dentro das habitações, o estudo rastreia a poluição a partir da queima de combustíveis como carvão, madeira ou biomassa para cozinhar. “A nossa saúde é fortemente influenciada pelo ar que respiramos. A má qualidade do ar faz com que as pessoas morram mais jovens, resultado de doenças cardiovasculares e respiratórias, e também acentua algumas doenças crónicas como asma. A poluição do ar afecta os mais jovens e os idosos, os ricos e os pobres e pessoas em todos os países do globo”, pode ler-se na introdução do estudo.
Tal como em 2016, os países menos desenvolvidos continuam a ser os mais afectados pela fraca qualidade do ar. Os dados do GBD que foram a base para o estudo agora divulgado analisaram o nível de desenvolvimento de cada país usando um índice sociodemográfico que mede os níveis de rendimento, a escolaridade e taxas de fertilidade de cada país. As conclusões mostram uma relação inversa entre o nível de desenvolvimento social e económico de um país e a exposição da população a partículas finas, isto é, os países menos desenvolvidos sofrem exposições de PM2.5 quatro a cinco vezes maiores do que as dos países mais desenvolvidos.
Quase cinco milhões de mortes em 2017
Em 2017, quase uma em cada dez mortes foi causada pela poluição atmosférica ou por uma doença que lhe esteja associada. O estudo agora divulgado avaliou o papel da doença no aumento da mortalidade ou da incapacidade na população mundial. O problema está ligado ao aumento das hospitalizações, incapacidades físicas e mortes prematuras relacionadas com doenças respiratórias, cardíacas e cancro do pulmão, por exemplo.
Os investigadores estimam que a poluição atmosférica tenha contribuído para cerca de 4,9 milhões de mortes (8,7% de todas as mortes a nível mundial) e para a perda de 147 milhões de anos de vida saudável em 2017.
Outra das conclusões apresentadas este ano pelo estudo foi o facto de a poluição atmosférica reduzir em termos colectivos a esperança média de vida para menos um ano e oito meses, isto numa média global. O impacto mundial do problema rivaliza agora com o do tabagismo. “Isto significa que uma criança que nasça hoje morrerá em média 20 meses mais cedo do que era esperado se existisse uma ausência de poluição do ar”, lê-se no estudo.
O caso da China
Na China, um dos países mais afectados pela poluição atmosférica, a presença de PM2.5 tem vindo a diminuir a uma velocidade galopante desde 2011. No entanto, as concentrações dos poluentes continuam a exceder os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Nos últimos anos, a China tem vindo a lutar para diminuir a poluição atmosférica. Um ponto de viragem para chegar a este objectivo foi a criação do Plano de acção, prevenção e controlo da poluição do ar emitido pelo Conselho de Estado da China em 2013 e que incluiu acções específicas para reduzir a dependência de carvão, para cortar as emissões industriais e controlar o número de veículos em algumas cidades.
Apesar de uma redução de cerca de 54% nas concentrações de dióxido de enxofre e 28% no monóxido de carbono, em 2017 aproximadamente 852 mil mortes foram causadas pela exposição excessiva a PM2.5 na China. Naquele país, a poluição atmosférica também causou 178 mil doenças respiratórias crónicas.
A poluição dentro das habitações
Em muitos lugares do planeta, as pessoas queimam combustíveis sólidos (como o carvão, madeira, estrume ou resíduos de colheitas) para poderem cozinhar alimentos ou aquecer e iluminar as suas casas. Este tipo de prática gera altas concentrações de poluentes dentro e ao redor das habitações.
“Em termos globais, o número de pessoas que cozinham com combustíveis sólidos diminuiu. No entanto, as disparidades continuam a existir e algumas populações de países menos desenvolvidos continuam a ser as mais afectadas pela poluição do ar doméstico”, afirmam os investigadores responsáveis pelo estudo.
Em 2017, 3,6 mil milhões de pessoas (47% da população mundial) foram expostas à poluição atmosférica pelo uso doméstico de combustíveis sólidos para cozinhar. Esta ocorrência foi mais comum na África Subsaariana, Sul da Ásia e Leste da Ásia, sendo que a China, Índia e Nigéria ocupam o topo da tabela dos países mais afectados por este problema.
Apesar da proporção de agregados familiares que dependem de combustíveis sólidos para utilização doméstica ter diminuído de 57% em 2005 para 47% em 2017, este uso contribuiu aproximadamente para 21% das concentrações globais de PM2.5 no ambiente.
A diminuição da proporção de famílias que usam este método tem sido impulsionada por vários factores como o desenvolvimento económico e a urbanização, que tende a aumentar o acesso das populações a combustíveis mais limpos.
Segundo o estudo, os governos de alguns países têm implementado programas para substituir os combustíveis sólidos por energias mais limpas. Na China, por exemplo, o governo proibiu o uso de carvão para cozinhar e aquecer habitações nos municípios à volta de Pequim. Na Índia, o esforço governamental abrange uma mudança de combustíveis de biomassa para o gás liquefeito de petróleo (GPL, na sigla inglesa). Já no Gana, o governo também tem como objectivo até 2020 fornecer a pelo menos 50% acesso ao GLP.
Mesmo com a crescente melhoria na qualidade do ar, o peso das doenças relacionadas com este tipo de poluição continua a aumentar à medida que as populações crescem, envelhecem e se tornam mais susceptíveis a doenças relacionadas com o problema.
Segundo os responsáveis pelo estudo, “enfrentar estas tendências requer mais do que ganhos substanciais na qualidade do ar, mas também na redução das disparidades em termos de saúde em países menos desenvolvidos que muitas vezes carregam os maiores encargos deste problema”.
A investigação sobre a qualidade do ar em 2017 concluiu que a luta por uma qualidade de ar melhor está entre os principais desafios para governos nacionais e responsáveis pela saúde pública. “Uma melhor compreensão das fontes de poluição e dos principais contribuintes para as doenças com esta relacionadas levarão à implementação de políticas eficazes para o controlo da poluição atmosférica”, concluiu o estudo.
Em 2017, a OMS anunciou que os poluentes ambientais causam cerca de 1,7 milhões de mortes, por ano, em crianças com menos de 5 anos.