Associação sindical suspende greve de enfermeiros. A partir desta quarta-feira há falta injustificada para quem parar

O anúncio foi feito no Facebook, mas “a luta” deve continuar, de outra forma. “Não aceitem escalas (de serviço) com horas a mais e não cumpram horas extras, só as decorrentes de situações imprevisíveis”, apela Lúcia Leite. Ministério da Saúde diz que hospitais vão receber ainda hoje orientações “relativas aos procedimentos a adoptar para cumprimento do parecer” do conselho consultivo da PGR.

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A 8 de Fevereiro os enfermeiros fizeram uma manifestação frente a vários hospitais LUSA/MIGUEL A. LOPES

A presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), Lúcia Leite, pede aos enfermeiros que suspendam a “greve cirúrgica”. “Tendo em conta que há ameaças de coacção sobre os enfermeiros em greve e ordens expressas aos conselhos de administração [dos hospitais] para que passem a marcar faltas injustificadas, a ASPE vem declarar publicamente a suspensão imediata da greve com efeitos a partir do turno da tarde de hoje [terça-feira].”

O anúncio foi feito nesta terça-feira no Facebook, num vídeo em que Lúcia Leite pede aos profissionais que, ainda assim, “não abandonem a luta”. É a resposta a um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) que considera que o protesto dos enfermeiros é ilícito.

“Entendemos que não é o caminho para os enfermeiros entrarem em batalhas judiciais desta natureza”, afirma Lúcia Leite. Ao PÚBLICO, a dirigente sindical acrescenta: “Estar a sujeitar os enfermeiros a procedimentos disciplinares quando o ministério enviou uma ordem durante a noite para que hoje de manhã já fossem marcadas faltas injustificadas aos enfermeiros é sujeitá-los a uma penosidade que eles não merecem. Nesse sentido, optámos por suspender a greve. Embora tenhamos consciência de que se levarmos o processo disciplinar adiante a falta injustificada não vai ser marcada, porque não tem sustentabilidade para ser marcada.” Contudo, “ter razão daqui a um ano não nos adianta de nada”.

Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Saúde fez saber que “a Administração Central do Sistema de Saúde irá emitir uma circular informativa aos hospitais ainda hoje [terça-feira], com orientações relativas aos procedimentos a adoptar para cumprimento do parecer [do conselho consultivo da PGR], competindo aos hospitais afectados pela greve a posterior operacionalização”.

“As faltas serão atribuídas mediante uma análise caso a caso, contemplando a forma como cada enfermeiro exerceu a greve. Tendo em conta que este parecer da PGR representa uma interpretação oficial, as faltas motivadas por adesão a uma greve ilícita serão consideradas a partir de amanhã”, acrescenta o ministério.

O Ministério da Saúde acredita, contudo, que os enfermeiros respeitarão o que está estabelecido no parecer do conselho consultivo da PGR e “considera positiva a suspensão da greve anunciada por uma das estruturas sindicais”.

Sindepor mantém a greve

Luís Mós, do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), disse ao PÚBLICO que, embora não tenham decretado a suspensão da greve, também estão a aconselhar todos os enfermeiros a apresentarem-se ao trabalho a partir do turno da tarde desta terça-feira.

“Vamos manter a greve até ao dia 28 de Fevereiro, mas aconselhamos os enfermeiros a que se apresentem ao trabalho sob protesto. Disponibilizamos uma minuta para dizerem que vão trabalhar mas coagidos pela pressão que o Governo está a exercer”, disse Luís Mós, acrescentando que ao sindicato já chegaram “centenas de minutas assinadas”.

Já Carlos Ramalho, presidente do Sindepor, afirma que o sindicato mantém que os enfermeiros continuam em greve até que os conselhos de administração dos hospitais os notifiquem por escrito de que estão impedidos de protestar desta forma.

"Se os enfermeiros forem notificados, por escrito, pelos conselhos de administração, para o facto de terem de prescindir desse direito e serem obrigados a trabalhar, irão trabalhar, mas vão preencher um documento a dizer que estão a ser coagidos e obrigados a ir trabalhar e abdicar de um direito como o direito à greve", explicou Carlos Ramalho à Lusa.

"Se formos obrigados, vamos trabalhar sob protesto, e apresentar uma queixa-crime contra aqueles que nos estão a coagir e ameaçar ilegalmente", acrescentou.

As minutas, que o sindicato disponibilizou através do seu Facebook, serão depois entregues à equipa de advogados liderada por Garcia Pereira. “Vamos agir judicialmente contra esta situação”, afirmou Luís Mós.

Um Governo com “má-fé”

No vídeo divulgado no Facebook, Lúcia Leite lamenta o que considera ser a actuação de um Governo com “má-fé” e apela aos enfermeiros que, “mantendo uma conduta correcta”, exijam o cumprimento da lei. “Não aceitem escalas (de serviço) com horas a mais e não cumpram horas extraordinárias, só as decorrentes de situações imprevisíveis.”

“Estou a falar do respeito do horário de trabalho”, sublinha. “Devem exigir que não vos apresentem horas a mais do que as contratadas e devem estar indisponíveis para aceitar escalas com horas a mais. Em relação às horas extraordinárias, apenas assumam as decorrentes de situações imprevistas.”

A sindicalista explica, em declarações ao PÚBLICO: “Optámos por uma estratégia que foge da lógica da greve. O ministério tem sido tão escrupuloso no cumprimento da lei e nós vamos exigir que cumpra a lei laboral: que os enfermeiros deixem de fazer horas extraordinárias para colmatar falta de recursos humanos; que passem apenas a assegurar, quando tiverem de fazer horas extras, duas horas por dia, que é aquilo que diz o Código do Trabalho. Se querem brincar às leis, vamos todos cumpri-las.”

O conselho consultivo da PGR considerou ilícita a greve dos enfermeiros que decorreu entre Novembro e Dezembro, a primeira “greve cirúrgica”. A segunda e actual greve em blocos operatórios decorre em dez hospitais até ao fim deste mês, sendo que em quatro unidades está decretada a requisição civil por alegado incumprimento dos serviços mínimos. O conselho consultivo considera que a primeira greve foi ilícita porque a paralisação teve uma modalidade que não constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram. Sobre o fundo de financiamento aos grevistas, o parecer considera que “não é admissível” que os trabalhadores vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão, através de um fundo que não foi constituído nem gerido pelos sindicatos que decretaram a paralisação.

Trata-se, diz a PGR, de “uma ingerência inadmissível na actividade de gestão da greve”, que deve ser exclusivamente das associações sindicais, o que “pode determinar a ilicitude da greve realizada com utilização daqueles fundos”, caso o fundo tenha sido determinante dos termos em que a greve se desenrolou.

Intimação: prazo termina hoje

Entretanto, segundo fez saber o Sindepor, termina nesta terça-feira o prazo de resposta do Ministério da Saúde à intimação que aquele sindicato entregou no Supremo Tribunal Administrativo contestando a requisição civil decretada pelo Governo para garantir a realização dos serviços mínimos na greve dos enfermeiros nos blocos operatórios de quatro dos dez centros hospitalares e hospitais onde decorre a paralisação.

Ao PÚBLICO, o Ministério da Saúde confirmou que o prazo de resposta à intimação termina nesta terça-feira e que “a resposta vai ser enviada dentro do prazo”. Por a requisição civil ter sido “uma decisão da presidência do Conselho de Ministros e do Ministério da Saúde, a defesa à intimação será respondida pelo Centro de Competência Jurídicos do Estado”, explicou fonte do gabinete da ministra da Saúde.

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