Greve dos enfermeiros é "ilícita", diz o Conselho Consultivo da PGR

Governo tinha pedido ao Conselho Consultivo da PGR que se pronunciasse sobre a greve dos enfermeiros. Ministra da Saúde diz que deve ser "suspensa de imediato". Sindicato afirmou que a “ilicitude da greve não está, nem poderia estar, fixada com este parecer”.

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A ministra da Saúde, Marta Temido, durante a conferência de imprensa ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

A greve dos enfermeiros que está decorrer em dez centros hospitalares e que atinge sobretudo os blocos operatórios é ilícita. O anúncio foi feito esta sexta-feira pela ministra da Saúde, depois de receber o parecer complementar do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR). O parecer já foi homologado pela ministra, tem efeitos imediatos e não é passível de recurso. Desde o início da paralisação, a 31 de Janeiro, até 14 de Fevereiro foram canceladas mais de 3800 cirurgias.

Os enfermeiros prometem continuar a luta e num comunicado enviado ao final da noite, o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) afirmou que a “ilicitude da greve não está, nem poderia estar, fixada com este parecer”, considerando que “compete exclusivamente aos tribunais”.

“O Ministério da Saúde recebeu hoje [sexta-feira] à tarde o parecer do Conselho Consultivo da PGR, numa resposta ao pedido complementar que o ministério tinha feito. De acordo com parecer, a greve decretada pelos sindicatos ASPE [Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros] e Sindepor foi considerada uma greve ilícita”, afirmou Marta Temido, em conferência de imprensa.

A ministra adiantou que os argumentos apresentados pelo Conselho Consultivo da PGR que justificam esta decisão foram dois. “Por um lado, o pré-aviso de greve não especificava a forma como a greve se iria exercer e o exercício da greve não é exactamente igual à configuração do pré-aviso. Por outro lado, colocam-se também questões em relação ao financiamento colaborativo que sustenta a greve.”

"O parecer não considera ilegal o financiamento colaborativo. O que considera é que se o financiamento colaborativo for uma forma de subtrair ao trabalhador que beneficia dele o prejuízo tradicionalmente associado a uma greve de uma forma que ele pudesse antecipar, isso configura um elemento de ilicitude”, explicou a ministra, lembrando que um dos elementos a que o conceito de greve faz apelo “é a proporcionalidade de prestações entre aquilo que o trabalhador perde com a greve e aquilo que o empregador perde pelo exercício da greve”. “É nesse sentido que a PGR faz a sua interpretação.”

Numa nota de imprensa enviada já depois da conferência, o Ministério da Saúde afirmou que o parecer "considera ainda inadmissível que os trabalhadores aderentes a uma greve vejam compensados os salários através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído nem foi gerido pelos sindicatos que decretaram a greve, violando assim a lei em vigor". "Se a utilização do fundo de greve (obtido através de crowdfunding) tiver sido essencial para a adesão à greve, a mesma é, também por este motivo, ilícita", reforça ainda a nota do ministério.

Parecer complementar 

Este parecer complementar foi pedido a 29 de Janeiro, ainda em relação à primeira greve “cirúrgica”, que se realizou entre 22 de Novembro e 31 de Dezembro de 2018. Mas a decisão tomada em relação a esta paralisação é válida para as duas que estão a decorrer: uma com início a 31 de Janeiro, após as negociações entre sindicatos e Governo terem falhado, e que afecta sete centros hospitalares, e outra que começou a 8 deste mês em três centros hospitalares. Ambas tinham fim previsto para o final de Fevereiro.

Em causa estão a revisão da grelha salarial, com a carreira a começar nos 1600 euros, antecipação da idade da reforma para os 57 anos de idade e 35 anos de trabalho e a contagem de pontos para progressão na carreira dos enfermeiros que entre 2011 e 2015 tiveram uma revisão salarial, passando o salário mínimo da carreira para os 1200 euros.

“A partir do momento da homologação e da sua publicação em Diário da República temos uma greve que não é lícita e como tal deverá ser suspensa de imediato”, referiu a ministra, salientando que sendo uma greve com efeitos nos blocos operatórios, será de esperar que os efeitos desta decisão só sejam sentidos a partir de segunda-feira.

Marta Temido não quis esclarecer quais os impactos que esta declaração de ilicitude da greve terá nos enfermeiros que fizeram greve, nomeadamente se os dias de greve podem ser considerados como faltas injustificadas. “Neste momento o que queremos salientar é a importância de termos tido este parecer e aquilo que ele pode representar para o retomar da normalidade do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Não gostaria neste momento de fazer outros comentários.”

Há uma semana, o Governo decretou uma requisição civil para responder à greve dos enfermeiros, alegando o não cumprimento dos serviços mínimos em quatro centros hospitalares. Em resposta, o Sindepor entrou, esta segunda-feira, com uma intimação no Tribunal Administrativo, que foi aceite, dando cinco dias ao Governo para responder.

“O ministério estava a preparar a sua resposta e a juntar o elenco dos factos que comprovaria que existia desrespeito pelos serviços mínimos. Se a greve é ilícita poderá invocar-se a questão de qual o efeito dessa ilicitude na intimação que foi colocada. É uma matéria jurídica que carece de melhor apreciação”, disse Marta Temido.

Enfermeiros vão continuar a “lutar”

Numa primeira reacção à notícia, Carlos Ramalho, presidente do Sindepor, lembrou que o sindicato não conhece o teor do parecer e que espera indicações da equipa de advogados que os acompanha, liderada pelo especialista em direito do trabalho Garcia Pereira, para “responder dentro da proporcionalidade” aos argumentos que consideraram a greve ilícita. “A nossa equipa de advogados irá analisar o parecer e dar-nos-á instruções. Se nos disserem que é possível continuar a greve, iremos continuá-la”, afirmou.

Questionado se admitem avançar com novas greves para substituir a actual paralisação, o presidente do Sindepor garantiu que os enfermeiros vão continuar a lutar. “Independente do que acontecer, vamos continuar a lutar por todas as vias possíveis e legais. A não ser que o Governo proíba as greves e já faltou mais pelo que temos constatado ultimamente”, afirmou.

Num comunicado enviado ao final da noite, o Sindepor afirmou que "o parecer do Conselho Consultivo da PGR não passa de uma (segunda e mais que discutível) opinião jurídica sobre a primeira greve, e não sobre a actual em curso, e tão somente com base em informações e nos dados que lhe foram fornecidos por uma das partes do conflito (o Governo) sem qualquer contraditório da outra parte (trabalhadores e sindicatos representativos)".

Acrescenta que mesmo depois de homologado pela ministra, o parecer "não tem outra natureza que não seja a de uma mera orientação interna para os serviços, sem qualquer eficácia jurídica externa". Na mesma nota, o Sindepor afirmou que a “ilicitude da greve não está, nem poderia estar, fixada com este parecer”, considerando que “compete exclusivamente aos tribunais” fazer a ilicitude de condutas ou situações.

Sobre a questão do pré-aviso, evocada para a tomada de decisão do Conselho Consultivo, o sindicato argumenta que a lei e o código do trabalho só obriga à indicação dos trabalhadores potencialmente abrangidos pela greve, os serviços mínimos a cumprir e o início e fim da paralisação. Quanto ao financiamento colaborativo, "é legalmente previsto" e "é legalmente permitido".

"Estando em curso uma fiscalização pela entidade legalmente competente para a mesma (a ASAE), é desde logo de todo inaceitável que o Conselho Consultivo da PGR também aqui se tenha permitido substituir-se e antecipar-se aos resultados dessa mesma fiscalização. Acresce que mesmo uma qualquer eventual irregularidade na recolha de donativos para um fundo solidário nunca poderia ter como efeito a ilicitude da greve", defendeu o Sindepor.

À RTP e citada pelo JN, Lúcia Leite, da ASPE, considerou que a greve não é “em si mesma ilegal” por se focar em determinados serviços e sublinhou que só “os tribunais” podem declarar a ilegalidade da greve. “Não me parece que as palavras do ministério sejam suficientes para transformar nada em ilegal.”

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