Só 8% dos exames nacionais resultam em chumbos
A partir das bases de dados com os resultados de todas as provas feitas em 2018 nas disciplinas mais concorridas, o PÚBLICO calculou o impacto que elas realmente têm. E é reduzido, apesar da sua má fama, nota o ex-ministro David Justino. Mas há quem discorde. Um só chumbo “já seria significativo”, diz o ex-secretário de Estado Domingos Fernandes.
Os números não enganam. Os alunos portugueses chumbam muito no ensino secundário — e mais ainda no 12.º ano. Mas qual é, afinal, o impacto dos exames nacionais neste fenómeno? Este: por cada 100 exames realizados por alunos internos, na 1.ª fase, às provas mais concorridas (Matemática, Português, História, Biologia, Física e Química, Geografia, Filosofia e Matemática Aplicada às Ciências Sociais), oito resultam em notas finais negativas na disciplina em causa (o exame vale 30% da nota final), mostram as contas feitas pelo PÚBLICO.
Um aluno com uma nota interna (aquela que é dada pelos professores ao longo do ano) de dez valores pode ter nove no exame nacional e passar à disciplina uma vez que a ponderação entre as duas classificações dá um resultado positivo. Porém, se tiver menos do que nove, chumba. Foi o que aconteceu em mais de 16 mil provas em 2018.
O PÚBLICO utilizou a base de dados ENES, fornecida todos os anos pelo Ministério da Educação, para fazer o cálculo da percentagem de chumbos nos exames das oito disciplinas mais concorridas. A ENES contém informações detalhadas sobre cada prova realizada, mas não acerca de cada aluno. Por isso mesmo, não é possível tirar conclusões directas sobre quantos estudantes ficam retidos por causa do exame — um mesmo aluno faz pelo menos duas provas por ano. “A percentagem pode ser ligeiramente superior” aos 8%, estima a professora de Matemática Isabel Hormigo. “Mas não muito mais. Tudo dependerá das provas que cada aluno realizar.”
É a Matemática que há mais estudantes a chumbar por causa do exame: foram 14% em 2018. Para Isabel Hormigo “este dado é surpreendente” — no bom sentido — tendo em conta que se trata de uma disciplina que não dispensa "um bom ensino estruturado e um trabalho afincado dos alunos”. Para a professora, o resultado é também um sinal de que “o novo programa contribuiu para dar a todos os alunos uma boa preparação”.
É entre os alunos que se apresentam a exame com uma nota interna de dez valores (se tiverem menos do que isso têm de fazer a prova como autopropostos e, nesse caso, a classificação dada pelo professor deixa de importar) que o resultado é pior — tanto no público como no privado. Cerca de três em quatro exames que resultam em chumbos são feitos por estudantes que concluíram a disciplina com a classificação mínima. Algo que, diz a professora Isabel Hormigo, é normal. “É de esperar que alguns alunos com classificação de dez (ou perto de dez) por vezes caiam para uma nota negativa, atendendo a que esta é uma classificação que se situa na fronteira.” Além disso, há casos em que o professor dá o “benefício da dúvida” a um aluno que teve oito ou nove valores ao longo do ano lectivo.
As diferenças entre público e privado parecem relacionadas com as disparidades em relação à classificação interna com que os alunos se apresentam a exame. Por exemplo, nas escolas públicas há duas vezes mais provas que resultam em chumbos do que no privado. Mas o público tem 10% dos seus estudantes a ir ao exame com nota dez e o privado só tem 5%.
“Estando tanto as escolas públicas como as privadas focadas no sucesso dos seus alunos, existem muitas variáveis que as distanciam. As privadas têm uma vantagem que se baseia essencialmente na autonomia inerente à sua organização”, diz Isabel Hormigo. “Sobre essas vantagens, podemos falar na diferença do perfil de alunos, na forma de contratar professores, na estabilidade do corpo docente, no regulamento interno da escola e até no tempo efectivo de aula que se consegue.”
A preparação é a chave do sucesso
Sem surpresas, são as escolas com melhores médias — com as privadas no topo — que também se saem melhor neste indicador. O PÚBLICO contactou várias escolas e nenhuma olha com particular atenção para as percentagens de chumbos nos exames. Ainda assim, a principal razão que apresentam para o sucesso prende-se com a preparação para os exames.
O Colégio Miramar, no concelho de Mafra, é um dos estabelecimentos de ensino privado que têm contrato de associação com o Estado, e onde, segundo o director Augusto Gomes, nenhum dos cerca de 1200 alunos paga propinas. Aqui, só 1,42% dos exames resultam em chumbos. Algo expectável uma vez que a escola tem uma média de 12,35 valores às oito disciplinas analisadas pelo PÚBLICO, resultado que a coloca na 39.ª posição do ranking dos exames do secundário (em 2017 estava em 113.º).
Qual é a fórmula do sucesso? Acima de tudo, a “organização do estudo dos alunos”, diz o director. Há um calendário que é feito no início do ano e “cada disciplina faz um teste como se fosse um exame”. É assim do 5.º ao 12º ano. Ao replicar o “ambiente do exame”, o dia em que os alunos fazem finalmente essa prova passa a ser “banal”, diz. Além disso, há um esforço para não sobrepor datas de testes e no 12.º ano só se faz um teste por semana. Augusto Gomes faz ainda questão de sublinhar que o dia-a-dia dos estudantes “não é só testes ou só exames” e garante que também há uma preocupação em formar os alunos como cidadãos.
Outro exemplo de sucesso é a Escola Básica e Secundária Engenheiro Dionísio Augusto Cunha, em Canas de Senhorim, no distrito de Viseu, uma das poucas públicas entre as que registam menos chumbos causados pelos exames. Em 2018, foram 1,2% do total. No ranking dos exames do PÚBLICO, esta escola fica em 73.º. “Nós procuramos que os alunos vão preparados ao exame” e é por isso que “todas as disciplinas com exame têm aulas de apoio”, diz o director António Cunha. Será daí que vêm os bons resultados. “No 11.º e no 12.º ano queremos que os alunos fiquem familiarizados com as matrizes dos exames”, acrescenta.
Em alguns aspectos, ajuda também que a Dionísio Augusto Cunha seja uma escola pequena. “Faz com que algumas coisas funcionem melhor por causa da difusão da informação e por toda a gente se conhecer.” São “cento e poucos alunos no secundário” distribuídos entre cursos científico-humanísticos e ensino profissional. Mesmo assim, o director António Cunha acredita que se tivessem mais alunos ficariam “ainda melhor colocados” já que a “dimensão permite uma dinâmica pedagógica melhor, faz com os eventos tenham um impacto maior e que os professores tenham mais colegas a dar a mesma disciplina”.
No extremo oposto da tabela estão as escolas que também ficam mais abaixo no ranking dos exames. Um exemplo é o da Escola Básica e Secundária Padre António de Andrade, em Oleiros, distrito de Castelo Branco. Entre as 57 provas realizadas em 2018, 24,5% resultaram em chumbos. Porém, não é costume que assim seja. Em 2017, eram só 10%. A prestação “costuma ser melhor”, mas alguns problemas com os professores de Matemática e de Biologia levaram a estes resultados no ano passado, justifica o director António Cavaco.
A retenção “não é o único impacto dos exames”
A proporção de exames que resultam em reprovações corresponde, para David Justino, a um número “relativamente diminuto”. O antigo ministro da Educação e ex-presidente do Conselho Nacional de Educação diz que “se criou com os exames um fantasma que amedronta tudo e todos, quando isso não corresponde à realidade”. “O efeito que têm é relativamente reduzido e no 9.º ano ainda é mais diminuto”, defende.
Também a professora Isabel Hormigo acredita que os números “contrariam realmente” algumas afirmações sobre os efeitos prejudiciais dos exames. E não tem dúvidas de que estas provas “fomentam uma maior responsabilização dos alunos para o estudo e para a organização das tarefas”.
Essa não é, contudo, a posição de Leonor Santos, especialista em avaliação das aprendizagens, responsável pelo mestrado em Educação da Matemática, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Há que ver além do valor "8%", diz. A retenção “não é o único impacto dos exames”. Estas provas têm uma dupla função: a de certificar o ensino secundário e a de dar acesso a um curso superior (e neste caso valem entre 35 e 50% da nota da candidatura). Outra implicação importante "mas menos visível”, é que o facto de existir exame e de ser escrito num tempo limitado é um modelo “restritivo naquilo que é capaz de testar”. E mais: “Os professores são levados a condicionar o seu ensino e aspectos de aprendizagem ao que vai ser avaliado."
Para Domingos Fernandes, professor e ex-secretário de Estado da Administração Educativa, os números mostram que estas provas "têm impacto". Mesmo que se estivesse a falar de apenas um chumbo causado pelos exames esse efeito para o aluno “é sempre significativo”. Ainda assim, reconhece que o facto de valerem só 30% para a conclusão do secundário é "uma coisa boa".
O principal "problema" associado aos exames é o sistema de acesso ao ensino superior através destas provas. Esta metodologia está "esgotada". "O ensino secundário tem de ser mais do que isso", defende.
Mesmo consciente de que este não é um assunto que se resolve "de um momento para o outro", o antigo governante diz que se chegou a "um ponto em Portugal em que é necessário fazer um balanço desapaixonado dos exames”.