A câmara seguiu Geni e a vida dela deu um filme
Cineasta Luís Vieira Campos saiu de casa de câmara na mão e perseguiu o primeiro desconhecido que lhe apareceu. Dessa viagem, fez um filme. Estreia acontece este sábado, no Porto/Post/Doc
Luís Vieira Campos gosta de pensar naquele momento como um “simples encontro”. Duas pessoas cruzam-se casualmente na rua. Conversam. E, num instante, algo se principia. O mais recente filme do cineasta portuense virou conceitos tradicionais do cinema do avesso: abdicando do “controlo” e entregando-se ao acaso, um realizador propôs-se a sair de casa de câmara na mão e, sem avisos prévios ou guião, perseguir o primeiro desconhecido com quem se deparasse na rua fazendo dele protagonista da sua história. Geni, narrativa dupla sobre um cineasta e uma desconhecida, estreia-se este sábado no Porto/Post/Doc (Cinema Passos Manuel, 19h). Uma amostra da vida como ela é e uma homenagem ao protagonista que pode existir em cada um de nós.
Nem todos se revêem nesse papel. Ao fechar a porta de casa e pisar a calçada na Rua de Cedofeita, Luís Vieira Campos iniciava uma caminhada atrás de alguém. Com a câmara ligada. Às vezes parava, com o pensamento ainda detido numa ideia de cinema clássico. O foco a fugir, o plano a sair das linhas. Outras vezes era travado pelo estranho à sua frente. Por vergonha, recusa de exposição, falta de tempo. Luís insistia. Perdeu a conta ao número de vezes que deu início ao filme sem sucesso. Até que, “num dia mais exactamente cinzento e metálico do que os outros”, apareceu Geni. Eugénia Machado.
Andar destemido e ligeiro, não se intimidou com a sombra do estranho. Imaginou um jornalista a trabalhar, um turista talvez. Depois confrontou o homem por detrás da câmara. O encontro aconteceu. Luís Vieira Campos explicou ao que ia, ela devolveu perguntas, mostrou interesse. Prometeu uma resposta final para dali a uns dias. A 17 de Fevereiro de 2017, dava o sim definitivo. “Todos somos alguém e temos uma história”, diz Geni quando em cima da mesa estão as suas motivações para aceitar o desafio: “Tenho essa sensação de que todos somos importantes e este filme prova isso.”
Há muito que Eugénia Machado alimentava o desejo de ver a sua vida contada. Amante da escrita, pensava escrever um livro com as suas memórias, deixar a sua pegada. Não raras vezes dá por si a observar pessoas na rua, a imaginar as vidas dos outros. Espírito irrequieto, a portuense saltita de emprego em emprego desde os 15 anos, quando começou a trabalhar. Fez passagens de modelo, trabalhou em lojas de roupa, em discotecas e bares, num hotel, numa companhia de seguros, numa clínica, na área têxtil, em promoção de eventos. Aos 23 anos casou-se, teve dois filhos. Tem 44 anos e em breve será avó.
Quando há coisa de ano e meio Luís Vieira Campos se cruzou com ela, Geni estava a construir uma loja de roupa no Centro Comercial de Cedofeita. O estabelecimento já fechou, mas a marca desenhada por ela continua a vender online. Será assim enquanto Eugénia Machado se sentir bem. É esse o tempo que dá aos projectos onde embarca e, por isso, quando se fala em sonhos a única resposta que lhe ocorre é “ser feliz”. “Não gosto de estar sempre a fazer o mesmo, não tenho ambição profissional de chegar a determinado sítio. Estou nas coisas enquanto sou feliz. Depois mudo.”
Com texto de Regina Guimarães e produção de Pedro Neves, Geni testa um modelo de cinéma-vérite. O cineasta entra no plano, provoca, interage. Não filma o real, mas “a realidade provocada pela presença da câmara”. O desafio de tornar um anónimo protagonista de um filme é, por si só, um convite à reflexão: o que fiz de importante na vida, o que me falta ainda fazer? Não é big brother, sublinha Luís Vieira Campos, mas a celebração de um encontro. E nisso cabe também a vida da cidade.