Precisamos de mais 26% de enfermeiros até 2040 para nos aproximarmos da média da OCDE
O actual ritmo de entradas de alunos nos cursos de medicina não seria necessário nos próximos anos, mas os autores de um estudo sobre o planeamento de recursos humanos no sector defendem que é "incomportável" reduzir o numerus clausus.
A proporção de enfermeiros por médico deveria aumentar em Portugal 31% num quarto de século, passando de apenas 1,39 (2014), um dos rácios mais baixos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para 1,82 em 2040.
Para termos valores semelhantes ao padrão de evolução de outros países, seria necessário um crescimento de 26% do número de enfermeiros por mil habitantes, até 2040. Em sentido inverso, o número de médicos deveria diminuir ligeiramente, cerca de 4%.
Estas previsões decorrem de um dos cenários levados em conta no livro Saúde 2040 — Planeamento de médicos e enfermeiros em Portugal (Almedina) que o ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde, Jorge Simões, o vice-reitor da Universidade de Aveiro, Eduardo Anselmo Castro, e a investigadora Diana Lopes apresentam nesta terça-feira em Lisboa.
A actual proporção entre enfermeiros e médicos em Portugal é reduzida, “o que se repercute não só na despesa do Estado, como na forma como as tarefas são distribuídas nas unidades de saúde”, notam os especialistas. Esta desproporção tem sido questionada ao longo dos últimos anos, porque Portugal está muito longe da média dos países da OCDE (que era de 2,8 enfermeiros por médico, segundo o último relatório Health at a Glance, de 2017).
Mas os autores do estudo são cautelosos e avisam que esta investigação não permite “tirar conclusões definitivas” sobre quantos médicos e enfermeiros devem existir em Portugal no futuro. O trabalho, acentuam, constitui apenas “um ponto de partida para análises posteriores”, até porque a informação disponível sobre recursos humanos na saúde não é “precisa”.
Financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, esta investigação avaliou vários cenários. As previsões foram construídas a partir de um modelo matemático que foi testado por um grupo de peritos e levou em conta uma série de variáveis, nomeadamente demográficas e tecnológicas. Foi no “Modelo Saúde 2040”, como é baptizado um dos cenários considerados, que os resultados apontaram para a necessidade de uma diminuição de 4% do número de médicos por mil habitantes — passando de 4,43 (2014) para 4,24 em 2040 — e para um aumento de 26% do número de enfermeiros por mil habitantes — de 6,13 para 7,72, dentro de um quarto de século. Isto para alcançar o tal padrão internacional.
Contra fecho de cursos
Apesar de constatarem que, nos próximos anos, haveria espaço para reduzir o número de entradas em ambos os cursos — uma redução que seria para “menos de metade do valor actual no caso da profissão médica” —, os autores defendem que “é incomportável” fazê-lo, porque não faz sentido “alimentar uma instabilidade caracterizada por ciclos de aumentos e diminuições expressivos, o que ditaria a abertura ou encerramento de cursos”.
Ainda assim, e para adequar as vagas dos cursos às necessidades do país, foram considerados dois tipos de ajustamento — o automático, que implicaria “uma redução bastante expressiva em medicina, ainda que com uma trajectória oscilatória ao longo do tempo (uma diminuição até 2031, com apenas 638 entradas previstas nesse ano, contra cerca de duas mil actualmente) e um novo aumento até 2034 (744 entradas nesse ano), seguido de um crescimento acentuado a partir daí.
Mas não seriam só as vagas para medicina a diminuir neste cenário. Também se perspectiva uma diminuição do número de entradas nos cursos de enfermagem, ainda que menos expressiva, passando das 2823 vagas abertas em 2014 para apenas 2209, em 2035.
No entanto, os autores estão frontalmente contra o encerramento de cursos que a redução de vagas implicaria. Apesar de as projecções apontarem no sentido contrário, “há muitos factores que justificam que não haja uma diminuição de numerus clausus”, como o de não fazer sentido que se encerrem escolas, argumenta Eduardo Anselmo Castro.
Mas isso não significa que não se faça nada entretanto, acentua. Até porque, “a não ser que haja uma migração massiva de médicos, o número irá aumentar substancialmente e é preciso que quem decide nesta matéria pense o que vai fazer com esse aumento”, advoga o vice-reitor da Universidade de Aveiro.
Estes cálculos são complexos. “Os que saem este ano [dos cursos de medicina] ainda são menos do que os que deveriam sair [tendo em conta as necessidades do país], mas os que entram este ano já são mais [do que os que seriam precisos], e é este desfasamento que torna tudo mais difícil”, frisa Eduardo Castro. Quanto à relação com o número de enfermeiros, se quisermos ter muitos médicos, para termos um rácio compatível com o que preconizam as instituições internacionais será necessário aumentar a formação de enfermeiros.
Há soluções para este dilema? Sim, acredita o vice-reitor da Universidade de Aveiro. “As soluções passam por começarmos a formar estudantes de outros países e por exportarmos serviços de saúde”, afirma. Eduardo Castro acredita até que Portugal pode “atrair doentes estrangeiros”, até porque tem “um bom clima”.
Para o vice-reitor, “há muitas razões para não baixar o numerus clausus, mas é necessário pensar no que faremos para ocupar os médicos que temos, transformando restrições em oportunidades”. “O que Portugal não pode continuar a fazer é tomar decisões sem ter em conta as consequências”, como fez ao longo dos últimos anos.
O livro inclui previsões ao nível das especialidades médicas. Entre as especialidades com um crescimento negativo até 2040 destacam-se a alergologia e a imunologia, gastrenterologia, hematologia clínica e a otorrinolaringologia. Já as especialidades com taxas de crescimento positivas são a anestesiologia e medicina intensiva, a cirurgia geral e pediátrica, a dermatovenereologia, a farmacologia clínica. A ginecologia/obstetrícia, a medicina física e reabilitação, a neurocirurgia, a psiquiatria e a ortopedia surgem igualmente neste grupo.