Aberto inquérito para averiguar dúvidas levantadas por Carlos Alexandre
Também podem ser apuradas responsabilidades disciplinares ao próprio magistrado, que numa entrevista dada à RTP levantou dúvidas sobre a forma como a Operação Marquês foi parar às mãos do colega Ivo Rosa.
Num inquérito de âmbito alargado o Conselho Superior da Magistratura (CSM) vai analisar de que forma funciona o sistema informático que distribui, em princípio de forma aleatória, os processos judiciais pelos vários juízes existentes em cada tribunal. Também irá tentar perceber se houve alguma anomalia na distribuição de processos no Tribunal Central de Instrução Criminal, onde trabalham dois juízes, Carlos Alexandre e Ivo Rosa, antes do sorteio da Operação Marquês, a 28 de Setembro. O mesmo inquérito também pode apurar eventuais responsabilidades disciplinares ao próprio Carlos Alexandre que, numa entrevista dada à RTP, levantou suspeitas sobre a forma como a Operação Marquês foi parar às mãos do colega Ivo Rosa.
O sorteio, feito de forma electrónica, ditou que será Ivo Rosa a decidir se o processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates segue para julgamento. "Dada a gravidade das declarações prestadas foi determinado, por despacho hoje [quarta-feira] proferido pelo vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, conselheiro Mário Belo Morgado, a abertura de inquérito, para cabal esclarecimento de todas as questões suscitadas pela entrevista em causa que sejam susceptíveis de relevar no âmbito das competências do CSM", afirma o conselho em comunicado.
Antes, o conselho garante que "de acordo com todos os elementos técnicos disponíveis, a distribuição eletrónica de processos é sempre aleatória, não equilibrando diariamente, nem em qualquer outro período temporal susceptível de ser conhecido antecipadamente, os processos distribuídos a cada juiz".
Carlos Alexandre levantou dúvidas sobre a forma como a fase de instrução do processo da Operação Marquês, em que o ex-primeiro-ministro José Sócrates é acusado de corrupção, foi parar às mãos de Ivo Rosa. Os dois são os únicos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), que acompanha a investigação e a instrução dos processos mais complexos do país.
Num excerto da entrevista divulgado ao início da tarde de quarta-feira e exibido à noite no programa Linha da Frente, Carlos Alexandre diz que existe "uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz".
Questionado pelo jornalista da RTP, sobre se as probabilidades de um processo calhar a um juiz podem variar dependendo do número de processos que lhe forem atribuídos antes, mesmo que em poucos dias, Carlos Alexandre responde que sim. E admite mesmo que as probabilidades se podem "inverter”, já que o sistema tende a “igualar” aquele que recebeu por último vários processos.
Ivo Rosa com mais cinco processos
O jornal online Observador noticia que o juiz Ivo Rosa tinha cinco processos a mais do que Carlos Alexandre em Julho, uma situação que acabou mitigada até 10 de Setembro. Entre 20 de Agosto e 5 de Setembro, segundo o Observador, foram distribuídos três processos seguidos a Carlos Alexandre. Por outro lado, Ivo Rosa declarou-se a 10 de Setembro incompetente num caso que foi, por isso, remetido a outro tribunal.
Por isso, quando, a 28 de Setembro, se realiza o sorteio da Operação Marquês, Ivo Rosa já só teria apenas mais um processo que Carlos Alexandre, o que aumentaria as probabilidades de lhe calhar a Operação Marquês, como de facto aconteceu.
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça, que tutela o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), responsável pelo programa informático que distribuiu aleatoriamente os processos judiciais, recusou-se a falar sobre os critérios que servem de base ao sistema. “A distribuição é um acto processual e o Ministério da Justiça não se pronuncia sobre actos processuais”, respondeu fonte oficial da tutela.
No entanto, o PÚBLICO apurou que o algoritmo usado nesse programa informático entra de facto em linha de conta com o número de processos que têm naquele momento cada um dos eventuais destinatários do caso. O juiz ou juízes com menos processos possuem uma maior probabilidade do caso lhes ir parar às mãos. No entanto, garantem ao PÚBLICO, ninguém é excluído do sorteio por ter mais processos que os colegas.
Assim percebe-se que o que Carlos Alexandre insinua é que conhecendo as variáveis em que assenta o programa que faz a distribuição dos processos, alguém tentou limitar as probabilidades da Operação Marquês ficar nas suas mãos.
No entanto, tendo Carlos Alexandre e Ivo Rosa praticamente o mesmo número de processos, tal queria dizer que as probabilidades de calhar a um e a outro seriam sensivelmente as mesmas.
Nas declarações à RTP, inseridas num programa que faz o retrato do juiz, Carlos Alexandre fez questão de negar pertencer à Maçonaria, apesar de confirmar a amizade com o antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, António Reis. O juiz garante que trata “as pessoas por igual” nos interrogatórios e recusa ser uma muleta dos procuradores. “Já houve ocasiões em que discordei das opiniões do Ministério Público”, sublinha, ao insistir que as suas decisões têm sido escrutinadas em sede de recurso e que os tribunais superiores as têm mantido. Durante a entrevista, intercalada por depoimentos de amigos e colegas de escola, Carlos Alexandre diz que teve que tirar dois dias para tratar de “assuntos pessoais” no final de Setembro e que tal coincidiu com o sorteio da Operação Marquês. “Foi apenas uma coincidência”, afirma, acabando por se mostrar satisfeito pelo sorteio ter ocorrido nesse período.
Sócrates queria vigiar sorteio
Recorde-se que as primeiras dúvidas levantadas relativamente ao sorteio da Operação Marquês foram suscitadas pelas defesas, nomeadamento, do ex-primeiro-ministro José Sócrates, que pediu para estar presente no acto e levar um técnico. Os advogados de Sócrates chegaram mesmo a pedir ao IGFEJ o algoritmo do programa para poderem avaliar como teria sido feita uma outra distribuição do processo, em Setembro de 2014, quando o tribunal central passou a ter dois juízes.
Tanto a defesa de Sócrates como a do ex-ministro socialista Armando Vara, sustentaram nos requerimentos de abertura de instrução que a atribuição da Operação Marquês, em Setembro de 2014 - altura em que entrou em vigor a nova organização judiciária - ao juiz Carlos Alexandre resultou da “manipulação dos procedimentos de distribuição” dos processos e “em grave violação das regras legais”, não tendo ficado garantida a imparcialidade do juiz, que devia ter sido escolhido electronicamente de forma aleatória.
O Conselho Superior da Magistratura garantiu então que o processo já tinha sido distribuído ao juiz Carlos Alexandre em 2013, quando o TCIC tinha apenas aquele magistrado judicial.