A luz azul dos ecrãs pode potenciar a cegueira, alertam cientistas

Os aparelhos móveis emitem uma luz que pode causar degeneração macular relacionada com a idade, uma doença que afecta essencialmente pessoas com mais de 55 anos e que pode levar à cegueira.

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A luz azul dos ecrãs de smartphones e tablets pode causar a morte de alguns fotorreceptores dos olhos Shannon Stapleton/REUTERS

Hoje em dia, a tecnologia faz parte da nossa vida e certo é que uma grande parte da população vive de olhos no ecrã sem se conseguir desligar deste mundo, o que faz com que surjam várias preocupações sobre o impacto dos dispositivos digitais na saúde física e mental. 

Uma investigação recente, publicada na revista Scientific Reports, avaliou as consequências que a luz azul dos ecrãs de smartphones, computadores portáteis ou tablets pode ter na visão. E se é daquelas pessoas que passa tempos e tempos, antes de dormir, a navegar nos mais diversos sites ou redes sociais, deve ter mais cuidado com o uso destes aparelhos, dizem os autores. Isto porque uma exposição prolongada à luz azul emitida pelos ecrãs, além de interferir com o sono, pode causar danos irreversíveis nos olhos e acelerar a cegueira. 

Não era novidade para os investigadores que a exposição à luz provoca danos na retina ocular, porém, “o mecanismo subjacente [a este fenómeno] não estava claro”, diz o artigo. Por isso, esta investigação feita em laboratório (em ratinhos) tinha como objectivo analisar a degeneração das células. 

Actualmente, “estamos a ser expostos à luz azul continuamente e a córnea e a lente do olho não são capazes de bloqueá-la ou reflecti-la”, pelo que ela penetra na retina acabando por afectá-la, explica em comunicado Ajith Karunarathne, professor do departamento de química e bioquímica da Universidade de Toledo (Estados Unidos) e autor do estudo. 

A luz azul causa, então, danos na retina – a camada do globo ocular onde se encontram os fotorreceptores, células nervosas do olho que captam a luz e a transformam em impulsos nervosos que são depois descodificados pelo cérebro. A luz provoca um conjunto de reacções que leva ao desenvolvimento de moléculas tóxicas que, por sua vez, causam a morte dos fotorreceptores, um fenómeno associado à degeneração macular relacionada com a idade (DMRI), uma doença que afecta a visão e causa uma grande parte dos casos de cegueira no mundo. 

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A luz azul emitida pelos ecrãs dos smartphones pode causar danos na visão ENRIC VIVER RUBIO

Por outras palavras, a luz azul emitida pelos aparelhos, que tem um menor comprimento de onda e uma maior energia face às outras cores, transforma as moléculas presentes na retina do olho em moléculas “assassinas” das células fotorreceptoras através da libertação de substâncias nocivas. O que pode ser preocupante, visto que estas células do olho não regeneram. “Quando elas estão mortas, estão mortas para sempre”, esclarece Kasun Ratnayake, estudante de doutoramento na Universidade de Toledo e co-autor do estudo. 

Perda progressiva da visão

A degeneração macular relacionada com a idade é uma doença de retina que provoca uma perda progressiva da visão e que pode levar à cegueira. Em Portugal, estima-se que cerca de 12% da população com mais de 55 anos sofre desta doença, enquanto nos Estados Unidos é uma das principais causas de cegueira. Embora possa não causar cegueira total (visto que afecta apenas a parte central do olho e o transplante de alguns foto-receptores é suficiente para restabelecer a visão), leva a uma perda significativa da capacidade visual que afecta actividades do quotidiano como a leitura ou o reconhecimento de rostos, escreve o diário britânico Guardian

“Não é segredo nenhum que a luz azul prejudica a nossa visão ao danificar a retina do olho. As nossas experiências explicam como isso acontece, e esperamos que isso leve a terapias que retardem a degeneração macular, como um novo tipo de colírio” (gotas para os olhos), acrescenta Karunarathne.

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A degeneração macular relacionada com a idade provoca perda progressiva da visão LUÍS EFIGÉNIO/NFACTOS

Os investigadores introduziram ainda moléculas da retina noutros tipos de células do corpo, como células cancerígenas, cardíacas ou neurónios que, quando expostas à luz azul, também morreram. “A toxicidade gerada na retina pela luz azul é universal. Pode matar qualquer tipo de célula”, conclui Karunarathne. 

O objectivo: proteger a visão das crianças

Alguma esperança reside no facto de uma molécula chamada alfa-tocoferol (derivado da vitamina E) – um antioxidante natural que se encontra no olho e no corpo – impedir as células de morrerem. Porém, à medida que a pessoa envelhece ou o seu sistema imunológico começa a tornar-se débil, perde a capacidade de combater o impacto da luz azul na retina, sendo nesses casos, segundo Karunarathne, “quando ocorre o verdadeiro dano”.

De forma a proteger os seus olhos, a solução passa pelo uso de óculos de sol, no exterior, capazes de filtrar tanto os raios UV como a luz azul e evitar a utilização de telemóveis ou tablets no escuro. John Payton, co-autor do estudo, urge ainda as empresas de telemóveis a adicionarem filtros de luz azul aos ecrãs dos aparelhos, hipótese que diz estar já a ser testada por algumas empresas. 

No futuro, Karunarathne garante que a equipa continuará a investigar a forma como a luz proveniente de dispositivos digitais condiciona a visão com um objectivo: "Ao aprender mais sobre os mecanismos da cegueira em busca de um método para interceptar reacções tóxicas causadas pela combinação da luz azul e da retina, esperamos encontrar uma maneira de proteger a visão das crianças que crescem num mundo de alta tecnologia".

Texto editado por Nicolau Ferreira

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