Reclusos vão ter acesso a consultas de VIH e hepatites virais na prisão

Saúde e Justiça vão investir 7,5 milhões até 2020 na tentativa de erradicar VIH e hepatites virais na população reclusa. Este mês são inauguradas 12 novas camas para inimputáveis em Lisboa.

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guilherme marques

Desta segunda-feira em diante 28 hospitais e 45 estabelecimentos prisionais iniciam uma nova rotina: em vez dos reclusos se deslocarem às consultas e rastreios de VIH e hepatites virais, são os médicos e enfermeiros que vão à prisão. O novo modelo, acordado entre o Ministério da Justiça e da Saúde e válido para o continente, garantirá o acesso aos cuidados a 1500 reclusos, diz a tutela.

Depois de uma experiência que o Governo considerou “de sucesso” com o Hospital de São João e o Estabelecimento Prisional do Porto (Custóias), são celebrados nesta segunda-feira os protocolos que alargam estes cuidados ao resto do continente. Garantem a deslocação de médicos infecciologistas, gastroenterologistas, internistas e outros profissionais de saúde às prisões, assim como a realização de rastreios à entrada, durante, e no final do período de reclusão. O mesmo não se aplica aos estabelecimentos das regiões autónomas, que têm um enquadramento próprio.

Cada prisão passa assim a ter um centro de referência de infecciologia. Tal como definia o despacho publicado em Janeiro em Diário da República, o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental assegura os cuidados aos reclusos de Monsanto, São João de Deus e Caxias; o Centro Hospitalar de Lisboa Norte aos do Estabelecimento Prisional de Lisboa, por exemplo.

O novo modelo permitirá “racionalizar o tempo e a utilização de meios materiais e humanos de ambas as partes”, tanto com vantagens do ponto de vista da saúde pública como económicas. “Indo aos estabelecimentos prisionais podemos prestar os cuidados de saúde da forma mais tranquila, mais simples – porque o médico pode atender vários reclusos no mesmo dia – e a tempo e horas”, diz o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo. 

Já a Justiça corta nos custos de deslocação dos guardas. E ganha com a humanização dos cuidados, corrobora a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro.

A medida pretende também evitar a estigmatização dos reclusos que se deslocavam, algemados e acompanhados por dois guardas, às unidades de saúde. Só no ano passado, fizeram-se 600 viagens para cada um dos hospitais de Santa Maria e São João.

Em última análise, importa que “os reclusos sejam tratados em igualdade de circunstâncias que os restantes utentes do SNS [Serviço Nacional de Saúde], dignificar o tratamento”, sublinha Fernando Araújo. Adequar os cuidados a populações com maior dificuldade de acesso, entre elas a prisional, era aliás um dos desígnios do Programa Nacional para as Hepatites Virais, de 2017, da Direcção-Geral da Saúde.

O investimento rondará os 7,5 milhões de euros até 2020. Essa é também a meta da Organização Mundial de Saúde para tratar todos os reclusos infectados por VIH e eliminar a hepatite C em contexto prisional, 10 anos antes daquilo que se prevê para a população em geral. Isto porque se reconhece que as prisões têm “condições únicas para erradicar de forma mais precoce” estas doenças infecto-contagiosas, afirma o governante da Saúde, se dispuserem de meios para tratar a população onde a prevalência é mais elevada. E o caminho ainda é longo.

Mais camas para inimputáveis em Lisboa

A deslocação dos profissionais de saúde fica a cargo dos estabelecimentos prisionais. Em gabinetes próprios para as consultas, estes têm acesso à rede informática do SNS, podem fazer recolha de análises clínicas e está previsto o transporte de aparelhos portáteis, por exemplo, de ecografia.

As marcações são feitas dentro do horário de funcionamento das consultas externas do centro hospitalar e do serviço clínico das prisões. Este será em breve reforçado, estando a decorrer um concurso para a contratação de 45 enfermeiros. Vão juntar-se aos 91 enfermeiros e 25 médicos actualmente nos quadros da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, segundo dados do Ministério da Justiça.

Mas sabendo-se nas prisões que estas consultas são dedicadas ao VIH e hepatites virais, os serviços conseguem proteger os reclusos que não querem que outros conheçam o seu diagnóstico? Na sua experiência, Fernando Araújo “não tem tido esse tipo de problemas”. Acredita que todos os profissionais saberão acautelar o anonimato e tornar estas consultas o “mais inclusivas possível”.

E medida não deverá ser isolada. Os ministérios da Saúde e da Justiça estão a trabalhar em articulações semelhantes na área da saúde oral e da saúde mental. É nesse âmbito que, ainda este mês, serão inauguradas 12 novas camas para reclusos inimputáveis no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, onde estão actualmente internadas 32 pessoas que se considerou não serem capazes de avaliar o crime que cometeram e pelo qual não podem ser responsabilizadas.

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