Kimmy Schmidt chega à era #MeToo
A sitcom de Tina Fey e Robert Carlock está de volta para a primeira parte da quarta temporada, que será a última de sempre. Os seis episódios estão disponíveis no Netflix desde quarta-feira.
Se há algo que se pode esperar de uma criação de Tina Fey é um número incomparável de piadas incríveis por minuto. Mesmo que uma não funcione bem, há sempre outra ao virar da esquina, mais inventiva ou rebuscada do que se estava à espera. Era assim em 30 Rock (2006-2013), protagonizada pela própria, e é assim desde 2015 em Unbreakable Kimmy Schmidt – Great News, que foi recentemente cancelada (aqui Fey era só produtora executiva).
Centrada na personagem que lhe dá o nome, interpretada pela hilariante Ellie Kemper, Unbreakable Kimmy Schmidt é sobre uma mulher que passou 15 anos trancada num bunker por um reverendo líder de um culto a recomeçar a sua vida em Nova Iorque. Os primeiros seis episódios da quarta temporada, que em princípio será a derradeira e à qual se seguirá um filme, chegaram ao Netflix esta quarta-feira – o resto tem estreia marcada para data incerta, ainda este ano.
Esta nova época estava a ser idealizada por Fey e Robert Carlock, o seu co-criador, quando rebentou o escândalo de Harvey Weinstein. E isso nota-se. A série aborda agora o momento #MeToo em vários momentos. E Unbreakable Kimmy Schmidt é algo que se dá a isso, já que foi construída a partir do trauma da protagonista.
Depois de uma leva de episódios em que Schmidt, na casa dos 30 mas com a perspectiva positiva, optimista, jovial e inocente de uma criança, esteve na universidade, agora Kimmy tem um novo trabalho numa start-up. É lá que a sua atitude a leva a ser acusada de assédio sexual – e a reavaliar a forma como age. A perspectiva é interessante, bem como as reacções – ela, como muitos homens, diz que vai passar a deixar de se divertir no trabalho –, mas não é tão boa como a examinação de masculinidade tóxica que surge mais à frente na série.
Tal como acontecia por vezes em 30 Rock, o terceiro episódio desta época foge à fórmula do resto da série e é essencialmente um documentário de uma plataforma tipo Netflix que começa por ser sobre um DJ, mas depois acaba por se transformar num filme sobre um crime real. O foco do filme, que contamina o resto da temporada, é o reverendo interpretado por Jon Hamm – o protagonista de Mad Men que Fey sempre soube usar na perfeição. Depois de aprisionar Kimmy durante anos, acaba encarcerado, sendo visto como uma vítima por homens que estão genuinamente convencidos de que as mulheres estão a tomar conta do mundo e em guerra aberta contra o género masculino.
São temas pesados e tratados de forma ponderada, talvez mais ponderada do que as questões de raça são abordadas numa boa parte do trabalho de Fey, se bem que aqui haja muito de pungente sobre o assunto. Ao mesmo tempo, os assuntos são abordados com muita piada e parvoíce à mistura. A isso ajuda haver tiradas brilhantes, que atiram tanto à relutância que a sociedade tem em acreditar em mulheres e à facilidade com que esta perdoa homens brancos que fizeram algo de errado quanto à cultura pop e à era de televisão de prestígio que estamos a atravessar.
Além de Kemper e Hamm, estão de volta Tituss Burgess, o talentoso actor e cantor que faz de Titus Andromedon, o colega de casa de Kemper que continua impagável, tal como a inigualável Carol Kane, que é a senhoria de ambos, e Jane Krakowski, que já vinha de 30 Rock. E, claro, as mesmas piadas e os mesmos cameos inesperados que sempre existiram no mundo de Fey. Já para não falar de uma das canções de genérico mais memoráveis dos últimos anos.