A circulação do oceano Atlântico já não era tão fraca há mais de mil anos

Duas equipas de cientistas mostram que um dos maiores sistemas de correntes oceânicas do mundo enfraqueceu cerca de 15% nos últimos anos. Só discordam sobre quando isso terá começado.

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Carlos Lopes/Arquivo

Há razões para dizer que o sistema circulatório do oceano Atlântico está a ficar debilitado. Duas equipas diferentes de cientistas analisaram um sistema de correntes oceânicas conhecido como circulação termoalina  meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês) e perceberam que está a enfraquecer. Os dois estudos foram publicados na edição desta semana da revista científica Nature: se um concluiu que a AMOC começou a ficar mais fraca logo a seguir à Pequena Idade do Gelo, o outro refere que isso só aconteceu a partir dos anos 50 devido ao aquecimento global.

A circulação do oceano Atlântico tem um papel fundamental na regulação do clima global. E quando se fala nessa circulação tem de se referir a AMOC, um dos maiores sistemas de correntes oceânicas do planeta. Como funciona? Em traços gerais, é influenciada pela corrente do Golfo – águas quentes e pouco densas que viajam das Caraíbas até até às latitudes mais a norte. Durante a sua viagem, estas águas libertam calor na atmosfera e aquecem a Europa ocidental. Já em sentido contrário estão as águas frias e mais salgadas do mar do Lavrador ou da Gronelândia, que são assim mais densas.

Estas águas vindas tanto do sul como do norte acabam por se juntar e formar uma massa de água profunda no Atlântico Norte, formando a AMOC, o tal sistema circulatório que está a ficar debilitado.

Para perceber a evolução da AMOC, uma equipa liderada por David Thornalley, do Instituto Oceanográfico de Woods Hole (Estados Unidos), analisou o tamanho de grãos sedimentares do fundo do oceano. A escala de avaliação é simples: quanto maior é um grão, mais forte é a corrente. Também se usaram outros métodos para reconstituir as temperaturas das águas mais superficiais nas regiões influenciadas pela AMOC.

“Ao combinarmos estes métodos, sugerimos que a AMOC tenha enfraquecido nos últimos 150 anos entre cerca de 15% e 20%”, diz David Thornalley, num comunicado da sua instituição. E Pablo Ortega, da Universidade de Reading (Reino Unido), acrescentou ao jornal espanhol El País: “A AMOC enfraqueceu nos últimos 150 anos até níveis nunca registados em mais de um milénio. A diminuição foi muito rápida e continua a baixar, embora a um ritmo mais reduzido.” Os cientistas concluíram que a intensidade da AMOC foi estável entre os anos 400 e 1850 e que abrandou com a revolução industrial.

A AMOC terá começado a ficar mais fraca perto do fim da Pequena Idade do Gelo (período que ocorreu aproximadamente entre 1300 e 1850). “O nosso estudo fornece a primeira análise abrangente dos registos de sedimentos no oceano, demonstrando que o enfraquecimento da AMOC começou depois do fim da Pequena Idade do Gelo”, diz Delia Oppo, outra das autoras do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, no mesmo comunicado.

Os cientistas pensam que o Atlântico Norte terá começado a aquecer e que isso provocou o degelo de grandes camadas de gelo do Árctico. Formou-se assim uma torneira de água doce no Atlântico Norte. “Este grande fluxo de água doce diluiu a superfície da água do mar, tornando-a mais leve e menos capaz de mergulhar em profundidade, abrandando o sistema da AMOC”, lê-se no comunicado.

Qual o culpado? As alterações climáticas

Na mesma edição da Nature, uma outra equipa liderada por Levke Caesar, da Universidade de Potsdam (Alemanha), também apresenta resultados de um estudo sobre a AMOC. Esta equipa analisou dados de modelos climáticos e de temperaturas da superfície do mar. Concluíram assim que a AMOC abrandou cerca de 15% desde os anos 50. Qual a causa? As alterações climáticas.

“Com o aquecimento global, o aumento das chuvas assim como o degelo do Árctico e das camadas de gelo da Gronelândia diluem as águas do Norte do Atlântico, reduzindo a sua salinidade”, explicou ao El País Alexander Robinson, da Universidade Complutense de Madrid (Espanha) e um dos autores deste segundo trabalho. “A água com menos sal é menos densa e, por isso, menos pesada, o que dificulta que mergulhe em profundidade.”

Num comentário aos dois artigos científicos, também na Nature, Summer Praetorius, do Centro de Geologia, Minerais, Energia e Ciências Geofísicas (Estados Unidos), considera: “As duas estimativas do declínio são extremamente semelhantes, apesar dos diferentes períodos temporais em que são baseadas.”

E David Thornalley acrescenta: “O que é comum para estes dois períodos de enfraquecimento da AMOC – o fim da Pequena Idade do Gelo e as décadas recentes – é que são ambos de aquecimento e de degelo. É previsível que o aquecimento e o degelo continuem no futuro devido às emissões de dióxido de carbono.”

Qual o impacto deste enfraquecimento da AMOC? “O enfraquecimento da AMOC poderá já estar a ter impacto na temperatura da Europa”, lê-se no segundo artigo científico. Além disso, também já terá contribuído para a subida do nível médio das águas do mar na costa Leste dos Estados Unidos e para o agravamento da seca na região do Sahel, em África. Algumas simulações também sugerem que a diminuição da intensidade da AMOC poderá ser “a principal causa de futuras mudanças na circulação atmosférica no Verão do Oeste da Europa”, assim como poderá conduzir ao aumento das tempestades na Europa.

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