Vara sobre Sócrates: "Nunca me lembro de ter chamado chefe àquela pessoa"

Armando Vara diz que enquanto foi administrador do banco público nunca falou com ninguém do Governo, nem José Sócrates nem Teixeira dos Santos, sobre qualquer dossier da Caixa Geral de Depósitos.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara deu algumas respostas que levaram os deputados a questionarem se estaria a dizer a verdade à comissão de inquérito e o PSD pediu até que fosse extraída uma certidão para ser enviada ao Ministério Público. Tudo porque Armando Vara primeiro disse que nunca tinha falado com José Sócrates sobre a Caixa Geral de Depósitos, enquanto este era primeiro-ministro, depois disse que não se lembrava.

O que ficou como resposta final? “Tenho a certeza que nunca falei, e que o engenheiro José Sócrates nunca falou comigo sobre as questões da Caixa. Mas na verdade, provavelmente se a minha memória não inventou qualquer coisa na minha cabeça. Não está nada [na memória] em relação à Caixa com o engenheiro José Sócrates”, disse aos deputados da comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos.

A confusão instalou-se logo na primeira ronda de perguntas. Ao deputado do CDS João Almeida, Armando Vara assegurou que enquanto foi administrador da Caixa nunca teve “nenhuma conversa com ninguém do governo sobre orientações de qualquer género em supostos dossiês da Caixa”. A questão tinha a ver não só com a concessão de créditos, mas também com a decisão de participações no capital de empresas, como o caso da participação no BCP. Mais tarde, sobre uma pergunta semelhante do deputado do PSD Hugo Soares, Vara respondeu primeiro: “Não me lembro”, para depois acabar clarificando que nunca terá falado com José Sócrates sobre qualquer assunto referente ao banco público. A relação com o Governo, disse, era da competência do presidente do conselho de administração, Carlos Santos Ferreira.

Mas se não falou sobre a Caixa com ninguém do Governo nessa altura, admite que falou apenas por uma única vez – “foi caso único” - já depois de ter saído do banco e entrado no BCP. Vara admitiu ter falado com o ex-secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, a única conversa que foi tornada pública pelo Correio da Manhã, na qual Vara terá dito ao governante que deveria falar com o "chefe" [José Sócrates] para desbloquear um investimento da CGD no autódromo do Algarve.

"É um resumo de uma suposta conversa telefónica. Mal feito. Não me revejo naquele tratamento que é dito, de tratar alguém por 'chefe'”. "A José Sócrates?", ouviu-se na sala. “Nunca me lembro de ter chamado ‘chefe’ àquela pessoa que está a perguntar", respondeu. 

Depois, Vara acabaria por voltar ao assunto: "Esse foi caso único. Falei com o dr. Laurentino sobre esse projecto que tinha sido apresentado à Caixa no tempo em que lá estive e que não tinha sido aprovado. O dr. Laurentino ligou-me preocupado, disse-lhe que o projecto não tinha sido aprovado na altura porque não era sustentável, e, uma vez que o mal estava feito, era melhor encontrar uma solução para ele. E se o Governo queria, o melhor era o Estado meter lá dinheiro". Armando Vara acabou por acrescentar que essa injecção de dinheiro deveria ser do Orçamento do Estado.

Vara foi questionado sobre alguns créditos como o concedido ao La Seda ou ao empreendimento de Vale de Lobo. Sobre Vale de Lobo, Vara disse que o projecto “não é um buraco” e acredita que o banco público não vai perder dinheiro com esse negócio. No total, disse aos deputados, a Caixa entrou com 197 milhões neste negócio, entrando os sócios com 10 milhões de euros. "Entusiasmei-me com o negócio", disse Vara que acrescentou que o empreendimento fazia sentido porque encaixava no projecto "Líder" da CGD e dos objectivos do banco público no sector do turismo no Algarve.

Mas foi também questionado sobre os créditos concedidos aos chamados projectos de interesse nacional (PIN) e com o facto de alguns deles, como o La Seda, terem registado grandes imparidades, Vara insistiu que “as imparidades da Caixa comparam muito bem com a banca europeia e nacional”. “Os dados demonstram que o banco foi gerido criteriosamente”, disse para terminar com a ideia que “a Caixa teve os melhores resultados de sempre. Isto diz bem dos resultados desenvolvidos”, naqueles anos em que foi administrador.

Ao longo da audição, Armando Vara deixou alguns desabafos sobre a sua "honorabilidade" dizendo que enquanto foi administrador da CGD, trabalhou a bem do banco públic: "Ao menos tentei. Estive lá a fazer coisas. Não estou, nem estive, sem estar. Quando acredito nas coisas vou até ao fim".

Depois desta audição, a comissão de inquérito à gestão da Caixa vai interromper os trabalhos para esperar por uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre os documentos pedidos a várias entidades.

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