Instrutores dos Comandos vão ter de cumprir regras mais claras e receber formação médica

Curso 128 tem início marcado para 7 de Abril com novas regras e uma selecção mais apertada dos candidatos em função da sua condição física.

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O curso que decorria em 12 semanas passa a realizar-se em 16 Miguel Manso

Quando o curso 128 dos Comandos começar, no próximo dia 7 de Abril, será com regras mais claras e um melhor conhecimento da situação clínica dos candidatos, para evitar “os erros” do curso 127, no qual morreram dois instruendos de 20 anos.

A garantia é dada pelo Exército e pelo ministro da Defesa Nacional José Azeredo Lopes que suspendeu o curso 127 a 8 de Setembro de 2016 e resume algumas das mudanças previstas para o curso que tem início em breve: “Do que se trata é de corrigir o que correu mal ou aquilo que pode ter corrido mal. A exigência deve ir em crescendo e não atingir picos demasiado prematuros”, disse ao PÚBLICO.

“Haverá exames médicos muito mais completos e transversais do que aqueles que até agora eram realizados aos candidatos e também indicações muito claras sobre os limites que, em cada momento, devem ser aplicados no processo de formação”, explicou o ministro que reitera que o Governo “nunca teve a intenção de fechar o curso”.

“[Com estas alterações] trata-se de fazer todo o possível para tornar ainda mais profissional a formação, sem prejuízo da exigência e da dureza que lhe estão pressupostas” e evitar acontecimentos “trágicos” como os do ano passado, disse Azeredo Lopes referindo-se às mortes do segundo-furriel Hugo Abreu, no primeiro dia da instrução do curso 127, a 4 de Setembro, e do soldado Dylan da Silva, que foi internado nesse primeiro dia da Prova da Sede e morreu uma semana depois.

Os instrutores vão passar a ter de cumprir certos limites? “Eles sempre tiveram que respeitar os limites”, responde o porta-voz do Exército, tenente-coronel Vicente Pereira. “O Exército sempre teve esta estrutura hierarquizada. O instrutor que dá a instrução tem o seu limite de competência.” E exemplifica: “Esses patamares de decisão – como o cancelamento ou mudança de provas por estar demasiado calor – mantêm-se. O que está a ser averiguado pelo processo judicial e pelos processos disciplinares que estão quase a terminar é quem desobedeceu aos mesmos no curso 127.”

Formação de instrutores

Em consequência das mortes de Setembro foi realizada uma inspecção técnica especializada, do próprio Exército, uma investigação criminal conduzida pelo Ministério Público e a Polícia Judiciária Militar, que ainda decorre e já levou à constituição de sete arguidos e, por fim, um processo de averiguações interno do Exército, que resultou na abertura de três processos disciplinares.  

A partir da inspecção técnica especializada foram definidas as novas regras: exames médicos mais aprofundados, melhor gestão do tempo de esforço e do tempo de recuperação e formação de instrutores.

O que se passa no terreno – como a actuação dos instrutores e o nível de esforço exigido – será supervisionado de uma forma que não era antes? A supervisão está sempre subjacente a qualquer formação e hierarquia, diz o ministro, que reconhece lacunas que serão agora colmatadas por “uma superestrutura” para garantir uma uniformização das práticas.

O ministro refere que com o novo referencial se pretende evitar mortes como as do curso 127, bem como situações em cursos anteriores, como por exemplo o curso 125 em 2015, em que também ocorreram “factos que tiveram consequências na vida e na saúde de instruendos e que, infelizmente, nunca foram totalmente esclarecidos”, diz.

Muita informação relativa ao que muda no curso, como por exemplo a quantidade de água a distribuir aos recrutas, é “informação classificada”, refere Vicente Pereira, que apresenta como o mais importante a reter “a optimização da gestão do tempo de esforço imposto ao candidato e do tempo de recuperação que lhe é facultado”. A água, bem como a alimentação e o sono, estão abrangidas nessa recuperação, e o que acontecerá não é necessariamente mais água distribuída, mas uma melhor gestão da sua distribuição, explica.

Curso mais longo

Passa também a haver uma maior preocupação em uniformizar as práticas entre instrutores e responsáveis de prova e em juntar à formação dos formadores, que já existia, “uma formação especializada em fisiologia do esforço” para que sejam capazes de detectar os primeiros sinais de exaustão.

Os relatórios das autópsias que constam do processo judicial às mortes confirmam que o segundo-furriel e o soldado morreram da desidratação extrema resultante de um golpe de calor. No primeiro dia da fatídica prova, chegaram a estar 23 instruendos a soro no Posto de Socorros. Logo de manhã de 4 de Setembro pelo menos seis sentiram-se mal e desmaiaram. A instrução prosseguiu. Alguns recrutas tinham vómitos e tremores. No dia seguinte, vários mostravam-se confusos, não respondiam, nem se mantinham de pé.

“Agora, não haverá necessariamente mais intervalos de descanso entre provas”, diz Vicente Pereira. O que haverá é alteração da sequência das instruções. Por exemplo, “a seguir à instrução de tiro [muito exigente fisicamente] podem ter um conjunto de instruções teóricas”, e só depois voltam à instrução mais física, por exemplo, “a instrução de navegação, no qual vão ter que andar várias horas”.

Uma das alterações introduzidas ao novo curso de Comandos, depois da suspensão em Setembro, será a integração do estágio de preparação que antes era feito em separado das três fases do curso – individual, de equipa e de grupo – e que agora passará a estar integrado. O curso que decorria em 12 semanas passa assim a realizar-se em 16 semanas.

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