A reabertura dos tribunais está a saber a pouco para quem esperou dois anos

Duas dezenas de edifícios, na maior parte do tempo, a funcionar como meros balcões de atendimento. Falta de funcionários judiciais e veículos de serviço marcam primeiro mês.

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No Tribunal de Sines foram atendidas cinco a seis pessoas por dia e nenhum julgamento foi ainda efectuado Enric Vives-Rubio

“Então, doutor, agora vamos fazer o julgamento em Murça?”. O advogado Daniel Faceira conta que teve de responder aquilo que os clientes não queriam ouvir: “Não é assim, vamos para Alijó”, apesar de a maioria dos intervenientes neste processo, relacionado com a disputa de uma parcela de uma habitação, ser de Murça. E de o respectivo tribunal ter reaberto há um mês. Não houve volta a dar-lhe: há dois dias lá tiveram de ir todos para Alijó, a duas dezenas e meia de quilómetros. “As pessoas sentem-se desiludidas. E um bocadinho enganadas”, descreve o advogado.

Um mês depois de os 20 tribunais encerrados em 2014 terem voltado a abrir as portas, enquanto os presidentes das comarcas judiciais se debatem com falta de meios humanos, e também de veículos de serviço, para corresponder às expectativas geradas, parte dos utentes dos tribunais sentem gorados os seus anseios: sem magistrados residentes e por enquanto quase sem julgamentos, os imponentes edifícios têm funcionado como meros balcões de atendimento, tirando raras excepções. Não que fosse suposto haver já julgamentos: nos 20 tribunais só será obrigatório realizá-los para crimes ocorridos a partir de Janeiro deste ano – e desde que a sua moldura penal não ultrapasse os cinco anos de cadeia. Com um ou dois funcionários, neste primeiro mês uma das suas principais tarefas foi emitir certificados de registo criminal.

“Aqui as pessoas também se sentem desiludidas”, confirma, em Sines, a advogada Ana Vilhena. “Não chega. Queremos mais”, diz um colega mais velho, Agostinho Ferreira. “Pretendemos que venha para cá tudo o que nos retiraram”: neste caso, as valências relacionadas com litígios laborais e familiares.

Ministra tem sido cuidadosa

Na realidade, nenhuma promessa foi feita pelo Governo nesse sentido, apesar de todos os discursos oficiais a louvar a reaproximação da justiça às populações: cuidadosa, a ministra Francisca van Dunem tem preferido usar o termo “reactivação” em vez de “reabertura”, como quem diz que as coisas não voltaram ao que eram antes do encerramento de 2014.

E nunca deu mostras de ter embarcado nas proclamações do programa do Governo no sentido de serem feitos julgamentos em todos os concelhos do país, algo de resto inédito em Portugal. Mas até os comunicados oficiais do conselho de ministros falam em reabertura, e é por essas e por outras que há quem entenda que pôr uma coisa que dá pelo nome de juízo de proximidade no lugar de um tribunal a sério não chega. “Os tribunais devem ser tribunais – e não balcões de atendimento”, insiste o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge.

Não é porém essa a principal preocupação dos juízes que dirigem as comarcas judiciais. O de Setúbal, Manuel Sequeira, conforma-se mal com ter tido de ir buscar uma oficial de justiça ao tribunal de Grândola para atender cinco a seis pessoas por dia em Sines, uma média semelhante à de outros tribunais, como Armamar e Tabuaço, no distrito de Viseu, mas mesmo assim muito superior à dos quatro tribunais reabertos em Trás-os-Montes. Em Mesão Frio, a procura resumiu-se a 11 pessoas num mês inteiro e em Murça a 12 – muito embora neste último tribunal tenham sido desempenhados 300 actos processuais.

Porém, por muito que os funcionários judiciais possam exercer algumas tarefas à distância, tramitando processos dos tribunais onde estavam antes para não ficarem desocupados, esse expediente de rentabilização de recursos humanos não é válido para todo o tipo de serviço, como assinala o presidente da comarca de Aveiro, Paulo Brandão. Está tudo de olhos postos na anunciada chegada de 400 novos oficiais de justiça, que poderá vir a suceder já em Março. Ou não.

Aquele magistrado faz ainda as contas ao tempo que os juízes vão perder para fazerem as duas dezenas de quilómetros que separam Albergaria-a-Velha de Sever do Vouga, onde foi reactivado outro tribunal. Veículos de serviço não há: “Têm de usar carro próprio ou ir de táxi”. Em Leiria os problemas são da mesma ordem. “Temos um défice de cerca de 60 funcionários judiciais, e apenas existe um motorista ao serviço de toda a comarca, necessário para transporte de magistrados, funcionários e processos em todo o distrito”, descreve a presidente da comarca, Patrícia Costa.

Nem tudo são reclamações. Em Sines o mecanismo de videoconferência já foi posta a render: uma progenitora poupou uma viagem a Aveiro num processo de regulação do poder paternal. E em Abrantes, Mação e Ferreira do Zêzere a população saiu ontem à rua, para aplaudir o regresso da justiça. 

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