Cunha Ribeiro também é suspeito de corrupção com informática do INEM

Além dos negócios do sangue, o médico é suspeito de ter recebido luvas para beneficiar duas empresas do Norte, que foram esta terça-feira alvo de buscas. Constituídos mais três arguidos, dois dos quais advogados.

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FERNANDO VELUDO / PUBLICO

As suspeitas de corrupção nos negócios de derivados de sangue não foram o único motivo que levaram na terça-feira à detenção do médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo. No âmbito deste processo, o médico também é suspeito de corrupção no INEM, que dirigiu entre 2003 e 2008. As autoridades acreditam que Cunha Ribeiro terá recebido contrapartidas para beneficiar duas empresas do Norte em contratos de aquisição de equipamento informático com aquele instituto.

Os valores destes negócios do INEM ainda não estão totalmente apurados, mas situam-se na ordem das dezenas de milhares de euros. Ao passar a pente fino as contas de Cunha Ribeiro, os investigadores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção detectaram transferência de dinheiro proveniente destas sociedades, que foram terça-feira alvo de buscas. As duas empresas da área informática são geridas pelo mesmo responsável, que terá ligações ao médico. Quando chegou ao INEM, Cunha Ribeiro desencadeou a reestruturação de todo o material informático, que na altura considerava obsoleto.  

Na operação designada O negativo, que implicou a realização de mais de 30 buscas, foram ainda constituídas três pessoas, duas das quais advogados. Um deles é sócio do escritório de advogados de José Miguel Júdice, a PLMJ. O outro arguido integra a sociedade Law Advogados Associados, que também foi alvo de buscas. A terceira arguida é uma mulher que até há pouco tempo fez parte da direcção da Associação Portuguesa de Hemofilia. A dirigente integrou, em representação daquela associação, o júri do concurso público que em 2001 deu à multinacional suíça Octapharma o monopólio da venda de plasma inactivado (componente do sangue) nos hospitais públicos portugueses. O PÚBLICO apurou que os negócios na área do sangue que estão a ser investigados têm o valor de 137 milhões de euros.

Cunha Ribeiro presidiu ao júri daquele concurso, lançado em 2000 pela então ministra da Saúde, Manuela Arcanjo, e adjudicado em 2001 pelo seu sucessor, Correia de Campos, pouco depois de chegar ao Governo. Contactado pelo PÚBLICO, o ex-ministro disse não se recordar desse despacho, sublinhando que assinava muitas centenas de documentos todos os meses.

As buscas decorreram igualmente no escritório da multinacional suíça Octapharma, em Lisboa, na sede do INEM, e no Hospital de São João, no Porto, onde o clínico teve vários cargos de chefia. O Ministério Público pediu a colaboração das autoridades suíças para realizar duas buscas naquele país.

O homem forte da Octapharma, Lalanda e Castro tem residência na Suíça e não se encontra actualmente em Portugal. No entanto, como é arguido no processo de Sócrates, tem que informar o Ministério Público sobre as viagens que realiza. O empresário está igualmente acusado, no âmbito do processo dos vistos gold, de dois crimes de tráfico de influência relacionado com favorecimentos a uma das suas empresas (a Intelligent Life Solutions) que trouxe a Portugal várias dezenas de cidadãos líbios, vítimas da guerra naquele país, para receberem tratamento médico. 

Arrendamento simulado?

Cunha Ribeiro viveu vários anos em Lisboa num apartamento de uma empresa de Paulo Lalanda e Castro, que foi patrão do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Esta é aliás uma das contrapartidas que os investigadores acreditam que o médico terá recebido do homem forte da Octapharma. Apesar de existir um contrato de arrendamento entre a empresa de Lalanda e Castro, proprietária do apartamento no Edifício Heron Castilho (um prédio onde Sócrates também viveu) e o médico e de, até serem passados recibos, não terá havido quaisquer pagamentos. A polícia acredita, por isso, que tudo não passou de um negócio simulado.

Outra contrapartida será uma casa no Porto, que formalmente terá sido adquirida pelo ex-presidente do INEM à empresa de Lalanda e Castro, mas que também não terá implicado qualquer pagamento do médico. A realização de contratos, considerados fictícios pelos investigadores, foi o que terá justificado a constituição de arguidos dos advogados, que terão ajudado a explicar verbas alegadamente provenientes da corrupção. Estas não foram as únicas contrapartidas que Cunha Ribeiro terá recebido da Octapharma, havendo alegadas luvas pagas em dinheiro e em géneros. O valor total das contrapartidas ainda não está apurado.

Congeladas contas

Nas buscas foi recolhida um vasto manancial de documentação e congeladas dezenas de milhares de euros em contas bancárias. A PGR confirmou ainda de manhã que neste processo estão em causa “factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais”. A PGR explica que neste inquérito — que é dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa em colaboração com a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ — estão a ser investigadas “suspeitas de obtenção, por parte de uma empresa de produtos farmacêuticos, de uma posição de monopólio no fornecimento de plasma humano inactivado e de uma posição de domínio no fornecimento de hemoderivados a diversas instituições e serviços que integram o Serviço Nacional de Saúde”.

Para este efeito, acrescenta a PGR, um representante da empresa e “um funcionário com relevantes funções no âmbito de procedimentos concursais públicos nesta área da saúde terão acordado entre si que este último utilizaria as suas funções e influência para beneficiar indevidamente a empresa do primeiro”. Os factos ocorreram entre 1999 e 2015.

A PLMJ emitiu um comunicado onde diz que as buscas estão relacionados com um cliente, que não é identificado, mas que o PÚBLICO sabe ser a Octapharma. Na nota, a sociedade refere que a relação profissional com este cliente apenas se iniciou em Fevereiro deste ano e critica a actuação das autoridades judiciais. “Trata-se, uma vez mais, do recurso à utilização instrumental de um advogado como elemento propiciador da recolha de material probatório por parte da investigação criminal”, lê-se no comunicado.     

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