Romantismo indie folk

Ainda que o filme se “encoste” demasiado à música e às paisagens invernais do Maine há qualquer coisa de genuíno nas personagens, nas hesitações, nos receios, que os actores encarnam muito bem e que acaba por ser o seguro de Virar a Página.

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Há qualquer coisa de genuíno nas personagens, hesitações e receios, que os actores encarnam bem

Podemos ver Virar a Página como um encontro entre o indie folk cinematográfico e o indie folk musical. É a história de um ausente, um songwriter de um só disco que tornou de culto e morreu, mais ou menos misteriosamente, logo a seguir – e as muitas canções desse suposto disco, que se ouvem profusamente ao longo do filme, foram escritas e gravadas por Damien Jurado, assim tornado numa espécie de “protagonista invisível” do filme de Sean Mewshaw. Que permite, subsidiariamente, chegar à conclusão de que o “indie folk” musical respira actualmente bem melhor saúde do que o indie folk cinematográfico.

Porque Virar a Página, no fundo, é apenas um filmezinho tímido e carregado de déja vus, parcialmente resgatado por uma certa delicadeza no trato do seu sentimentalismo, que se nunca deixa de ser previsível também nunca se torna liminarmente esquemático. Grande parte desse mérito terá que ser atribuído aos actores: a sempre excelente (e sempre subestimada) Rebecca Hall, no papel da viúva do cantor, que ainda está a desfazer-se do luto, e Jason Sudeikis, na pele dum intelectual novaiorquino fascinado pela figura do defunto, de quem pretende escrever uma biografia. O coração do filme é o encontro entre estas duas personagens, para uma história, contada pela milésima vez, de ultrapassagem dum luto e de reencontro com a dimensão sentimental da vida. Não extraordinariamente subtil: ao fim da primeira meia-dúzia de diálogos entre o par o espectador pode fazer um mapa mental do que vai acontecer até ao fim do filme, sem se enganar substancialmente. Mas, ainda que o filme se “encoste” demasiado à música e às paisagens invernais do Maine (e frequentemente “encoste” a música às paisagens invernais do Maine, duma forma que parece sempre uma facilidade para encher olhos e corações) há qualquer coisa de genuíno nas personagens, nas hesitações, nos receios, que os actores encarnam muito bem e que acaba por ser o seguro de Virar a Página. Por isso, e por um elenco de secundários onde há Blythe Danner ou o tão desaparecido Griffin Dunne, quase lhe perdoamos o excesso de pores do sol e paisagens nevadas.

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