Arábia Saudita retira poderes à polícia religiosa

Acusados de inúmeros abusos, os vigilantes do Comité para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício deixam de ter autorização para perseguir, deter ou interrogar quem infrinja a sharia.

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As mulheres e os jovens são um alvo preferencial dos zeladores da moral na Arábia Saudita Fayez Nureldine/AFP

Eram eles, até agora, os olhos e o chicote das autoridades para garantir que a duríssima versão da sharia (lei islâmica) que regula a vida na Arábia Saudita era cumprida nas ruas, nas lojas e até dentro de casa, assim houvesse denúncia. Mas o Governo saudita, numa reforma há muito prometida, retirou aos vigilantes do Comité para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício qualquer poder para perseguir, deter ou interrogar quem seja apanhado em falta.

A decisão foi tomada na segunda-feira pelo conselho de ministros, mas só no dia seguinte os jornais sauditas deram conta do regulamento que vai passar a ditar a actuação dos muttawin, como são conhecidos os agentes do Comité (ou Hai’a). A partir de agora, os funcionários da polícia religiosa “devem cumprir o seu dever de promover a virtude e prevenir o vício de uma forma gentil e humana”, lê-se no regulamento, instruindo os agentes a terem uma “conduta exemplar” e a identificar-se sempre que isso lhes seja pedido. Caso detectem ou suspeitem de infracções à sharia, devem comunica-las à polícia ou à unidade de combate à droga, que “são as únicas entidades especializadas” com poder para deter e interrogar os envolvidos.

Foi quanto bastou para incendiar as redes sociais, conta a correspondente do El País em Riad, explicando que a hastag sobre a mudança se tornou uma das mais populares do dia no Twitter. “É histórico”, disse à jornalista espanhola um estudante de mestrado saudita que se identifica apenas como Aziz, explicando que, face a este decreto, à polícia religiosa “resta apenas o nome”. “Até que enfim”, reagiu a blogger Eman Nafjan, citada pela AFP, lembrando que Riad prometia há vários anos pôr rédea nos vigilantes.

Os jovens e as mulheres são os alvos preferenciais dos muttawin, que têm entre as suas atribuições garantir que não há álcool à venda (as bebidas alcoólicas estão banidas no país), que elas usam a tradicional abaya, não conduzem, nem confraternizam em público com qualquer homem que não seja seu familiar. As restritivas leis que ditam a vida pública no país, seguidor do wahhabismo, o ramo mais puritano do islão, obrigam também ao fecho das lojas durante as cinco orações do dia e é frequente ver os zeladores da moral – facilmente reconhecíveis pelas longas barbas e o kaffiyeh solto sobre a cabeça – a percorrer os centros comerciais em busca de infractores ou a apreender material considerado não-islâmico.

Nada no regulamento agora aprovado indica um alívio nestas e noutras restrições, num país onde o adultério ou o tráfico de droga é punível com a morte. Mas Riad responde a um sentimento de indignação com a impunidade e brutalidade com que muitos vigilantes agiam até agora – na era dos telemóveis e das redes sociais, os abusos que antes se segredavam estão agora na Internet de que os jovens sauditas, mais de dois terços da população, são ávidos utilizadores, apesar da censura.

Um dos que maior polémica gerou aconteceu em Fevereiro, quando uma jovem foi brutalmente agredida por muttawin à porta de um centro comercial em Riad, depois de ter resistido a uma ordem para tapar integralmente o rosto. Em 2012, e apesar de estarem proibidos por um regulamento interno de fazer perseguições, um grupo de vigilantes provocou o despiste de um automóvel, e a morte do pai da família que nele viajava, apenas por não ter baixado o volume do rádio. Mas o exemplo mais chocante do zelo fanático dos vigilantes remonta a 2002, quando permitiram que 15 alunas de uma escola de Meca morressem asfixiadas, tendo-lhes barrado a saída do edifício em chamas apenas porque não usavam o devido hijab.

 

 

 

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