Juíza da Relação condenada por peculato continua a dirigir Cruz Vermelha

Supremo Tribunal de Justiça sentenciou esta quinta-feira Joana Salinas a dois anos e meio de prisão com pena suspensa por ter usado verbas desta organização para pagar a advogados que escrevessem as sentenças dos seus processos

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Joana Salinas em tribunal Rui Gaudêncio

A juíza que usou verbas da Cruz Vermelha Portuguesa para pagar a advogados que lhe escrevessem as sentenças dos casos que tinha em mãos, Joana Salinas, foi condenada esta quinta-feira pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pelo crime de peculato, a uma pena de prisão suspensa. Como presidente da delegação do Porto-Matosinhos da Cruz Vermelha, a magistrada usou dinheiro da instituição para que outros fizessem parte do trabalho que lhe era distribuído no Tribunal da Relação do Porto. Os seus colegas do Supremo decidiram que terá de entregar 5500 euros à Cáritas do Porto. A Cruz Vermelha não só nunca a processou como a mantém ainda, neste momento, em funções, a dirigir aquela delegação. Contactada pelo PÚBLICO, uma porta-voz da organização disse apenas que a situação só será analisada quando a Cruz Vermelha tiver conhecimento oficial da condenação, o que ainda não sucedeu.

Arguida neste processo foi igualmente uma advogada implicada no esquema, Alexandra Novais. Também condenada a um ano de pena suspensa, terá de pagar 2000 euros à Cáritas. Joana Salinas já fora alvo de dois processos disciplinares por atrasos na elaboração de acórdãos e pelo elevado número de processos que tinha pendentes há mais de seis meses e há mais de um ano. Entre 2012 e 2013 recorreu a três advogados para lhe despacharem o serviço.

Um deles, Luís Campos, confirmou ao Supremo Tribunal de Justiça que a magistrada lhe quis pagar para que trabalhasse nos processos judiciais que estavam atribuídos a Joana Salinas, resumindo-os ou fazendo-lhe projectos de acórdãos. Enquanto a tarefa foi gratuita chegou a desempenhá-la, por se encontrar numa posição de fragilidade como estagiário de um escritório de advogados, mas quando a magistrada lhe passou a oferecer dinheiro recusou fazê-lo, o que levou Joana Salinas a recorrer a outra profissional do ramo, à qual a Cruz Vermelha passou a dar cem euros por processo tratado. Entre avenças e pagamentos "à peça", a instituição gastou 7500 euros em serviços jurídicos que, em vez de servirem para auxiliar os mais carenciados, como era suposto - nomeadamente vítimas de violência doméstica -, foram usados em proveito pessoal da juíza.

O Ministério Público qualificou o seu comportamento como “claramente criminoso”. Contudo, apesar da gravidade da condenação, o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu o altruísmo da arguida - o cargo de direcção da delegação da Cruz Vermelha não é remunerado, tendo várias testemunhas realçado a sua dedicação à missão humanitária, bem como o profissionalismo com que tem exercido funções. Entretanto suspensa da magistratura, Joana Salinas foi candidata a vereadora nas listas do Partido Socialista em Setembro de 2013.

Esta condenação ainda pode ser alvo de recurso, mas à saída do tribunal nem a juíza nem a segunda arguida quiseram prestar declarações no sentido de esclarecerem se o farão. Também o representante legal da magistrada e advogado de José Sócrates, João Araújo, se remeteu ao silêncio.

No final da leitura do acórdão, o presidente do colectivo de juízes, Santos Carvalho, lamentou que Joana Salinas não tivesse "optado por dizer a verdade" durante o julgamento, o que, no seu entender, a prejudicou. "Há [neste caso] outras coisas que não foram ditas", observou, qualificando este processo como grave e simultaneamente simbólico. Santos Carvalho aludiu aos especiais deveres dos juízes no cumprimento da lei, pelo facto de o poder de magistratura que exercem ser soberano. "Não sendo um poder dado pelo povo através do voto, só tem sustentação enquanto o povo confiar nos magistrados", declarou. Foi essa relação de confiança que se quebrou no caso em questão.

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