Bomba de hidrogénio ou não, ONU prepara novas sanções à Coreia do Norte

Kim Jong-un quer mostrar ao país que é um líder forte e capaz nas vésperas do congresso do partido. Mundo acredita que regime detonou apenas uma pequena bomba nuclear.

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Kim Jong-un enfrentou já contestação no interior do regime e opta por se mostrar forte no nuclear. Ed Jones/AFP

A notícia de que a Coreia do Norte detonara a primeira bomba de hidrogénio na sua história apanhou ontem o mundo de surpresa. A ser verdade, significaria que o país conseguira a tecnologia para construir a versão mais sofisticada e destruidora da bomba nuclear, ao contrário do que se pensava. Mas o pequeno terramoto provocado no local de testes, demasiado pequeno para ser o de uma destruidora bomba H, acabou por trair o regime.

O mundo está agora convencido de que Pyongyang fez um novo teste nuclear, o quarto na sua história, mas que não o fez com uma bomba de fusão, como afirmou na madrugada na quarta-feira. A dois dias do seu aniversário – fará 33 ou 32 anos, não se sabe ao certo –, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, surgiu a escrever uma nota em papel em que ordenava o teste ao novo armamento. “Que o mundo encare, olhando de baixo, o forte, auto-suficiente Estado com armamento nuclear.”

O discurso triunfal teve pouco impacto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que respondeu à mais recente demonstração de poder nuclear da Coreia do Norte como fez com as sucessivas violações do regime ao longo da última década: anunciando que estão a ser preparadas “mais extensas e significativas sanções” contra o país.

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A Coreia do Sul já defendera esta via antes da reunião de emergência do Conselho de Segurança. “É uma provocação grave para a nossa segurança, ameaça a sobrevivência e o futuro da nossa nação e desafia ainda mais a paz e estabilidade do mundo”, afirmou a Presidente, Geun-hye, horas depois do teste nuclear. Os Estados Unidos reiteraram que "não vão tolerar uma Coreia do Norte nuclear", o Japão fez o mesmo e até os aliados tradicionais de Pyongyang, China e Rússia, condenaram o regime. 

As recriminações foram duras. Resta saber se as novas sanções também o serão. Muitos duvidam da eficácia que novas medidas podem ter sobre o programa nuclear norte-coreano. A ONU responde cada vez com mais agressividade sempre que o regime viola a resolução de segurança que o impede de testar e usar tecnologia balística e nuclear. Mas desde que as sanções começaram, em 2006, a Coreia do Norte conseguiu reduzir o tamanho e detonar três bombas nucleares, enviar um satélite para o espaço e, há menos de um ano, anunciou ter disparado um míssil de um submarino submerso.

A tecnologia é duvidosa – a vizinha Coreia do Sul diz que o míssil lançado de debaixo de água voou pouco mais de cem metros antes de se despenhar no mar. Em todo o caso, a liderança de Kim Jong-un continua a investir no seu arsenal mais perigoso e é pouco provável que novas sanções a travem. A alternativa seria retomar as negociações multilaterais interrompidas em 2012. Para o fazer, contudo, Washington exige que o regime destrua o arsenal nuclear que já construiu.  

Mas o pequeno Estado olha para os seus mísseis como a melhor garantia de contenção do Ocidente. É por essa razão que Andrei Lankov, investigador russo e especialista na Coreia do Norte, escreve no Guardian que o mais provável é que novas sanções sejam inúteis. “A liderança de topo pode perder o champanhe, mas, na sua perspectiva, isso é um pequeno preço a pagar para fugirem aos destinos de Muammar Khadafi e Saddam Hussein.”

Bomba A ou H?
O teste nuclear em Punggye-ri, no Leste do país, provocou um abalo sísmico muito longe daquele que seria de esperar de uma bomba de hidrogénio. O tremor de 5,1 pontos na escala de Richter sugere que a explosão teve uma potência de cerca de seis quilotoneladas, como calcula a comissão parlamentar de informação da Coreia do Sul. É comparável com o abalo de 5 pontos provocado pela bomba de 2013, e que se calcula que não ultrapassou as sete quilotoneladas – ou seja, sete mil toneladas de TNT.

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A bomba largada pelos EUA em Hiroshima teve uma potência de 15 quilotoneladas, mais do que o dobro de cada um dos dois últimos testes norte-coreanos. A primeira bomba H foi vertiginosamente mais poderosa: 15 megatoneladas; ou seja, mil vezes mais potente do que Hiroshima. “É altamente provável que, em vez de uma explosão termonuclear, a referência a uma bomba de hidrogénio seja desinformação por parte do regime norte-coreano”, explica Karl Dewey, analista na consultora de defesa IHS Jane’s.

Uma análise aprofundada e definitiva pode demorar semanas ou até nem ser possível. A organização internacional que se dedica a acabar com testes nucleares (CTBTO) tem mais de três centenas de pequenas estações de análise espalhadas pelo mundo. Capturam ruídos de baixa frequência, actividade sísmica e materiais radioactivos na atmosfera. As partículas demoram vários dias a libertar-se, já que os testes nucleares se fazem no subsolo, a centenas de metros de profundidade.

O Japão enviou ontem três aeronaves de análise de partículas para um local próximo do centro de testes nuclear norte-coreano – os Estados Unidos têm um avião também, segundo informações não oficiais. A análise a este material é a maneira mais exacta de se detectar que tipo de explosivo foi detonado e a única forma de detectar se há traços de hidrogénio na bomba. Mas é também a menos viável. No segundo teste nuclear norte-coreano, em 2009, por exemplo, não se encontraram quaisquer vestígios.

Consumo interno
Existe uma terceira opção. Alguns especialistas em armamento nuclear sugerem a hipótese de o regime ter usado pequenos vestígios de hidrogénio na arma. Os norte-coreanos obteriam assim aquilo que é designado como uma “arma de fissão intensificada”, mesmo que a diferença de energia, neste caso, pareça ter sido menosprezável.

“Porque é, de facto, hidrogénio, poderiam afirmar que se trata de uma bomba de hidrogénio”, explica à Reuters Joe Cirincione, especialista em armamento nuclear. “Mas não é uma bomba de fusão verdadeira, capaz de gerar as enormes energias de várias megatoneladas que este tipo de bombas provoca.”

Kim Jong-un precisa de mostrar algo ao país e reforçar a sua imagem como um líder capaz, mesmo que isso ponha em risco a aliança chinesa. O jovem líder teve já que lidar com oposição no interior do regime – algo que se tornou evidente quando admitiu ter executado o seu tio e antigo mentor – e tem ainda provas por dar no desempenho económico do país. Pela frente há o primeiro congresso do Partido dos Trabalhadores Coreano em 36 anos e a melhor oportunidade para se exibir.   

Toshimitsu Shigemura, especialista em assuntos norte-coreanos em Tóquio, explica-o ao Washinigton Post. “Kim Jong-un precisa de grandes resultados antes do congresso do partido, em Maio. O seu pai não testou uma bomba de hidrogénio, mas agora ele pode dizer que o fez. É um resultado muito bom para ele.”

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