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Três meses depois do primeiro caso, ataque a super-bactéria em Gaia continua

Surto da klebsiella pneumoniae multirresistente no Hospital de Gaia provocou três mortes. O hospital ainda está a controlar a situação. Esta segunda-feira, em Lisboa, especialistas debatem o Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos.

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O primeiro caso do Hospital de Gaia foi detectado em Agosto de 2015 Marco Duarte

José sai do serviço de Cirurgia Mulheres, no piso 3 do pavilhão central do Hospital de Gaia, numa maca empurrada por duas enfermeiras protegidas com  batas azuis, aventais e luvas. À entrada para o bloco operatório - onde vai ser submetido a um cateterismo -, sorri, descontraído. Já passa das 17h30 e são poucas as pessoas que se vêem nos corredores do velho hospital. Em isolamento por precaução, José é um dos mais de 40 doentes portadores (não infectados) da super-bactéria com um nome quase impronunciável que está a assustar doentes e profissionais do hospital de Gaia. 

Precaução é agora a palavra de ordem na unidade de saúde, onde o surto de klebsiella pneumoniae resistente a antibióticos de largo espectro chamados carbapenemes já  provocou três mortes e deixou os profissionais e os doentes do hospital de Gaia à beira de um colapso nervoso. Todos os cuidados são poucos e por isso é que os doentes em isolamento apenas fazem exames e cirurgias após o  horário normal de trabalho, de modo a evitar qualquer contacto com outros doentes. Tudo para prevenir ao máximo a disseminação da bactéria multirresistente que nunca tinha sido detectada neste hospital mas que já é considerada um problema de saúde pública.

O hospital de Gaia era um hospital “virgem” no que à klebesiella pneumoniae (produtora de KPC, para os entendidos) diz respeito, até que em 7 de Agosto a análise a uma doente na casa dos 70 anos que tinha sido submetida a várias cirurgias e estado internada por sucessivas vezes deu positivo.  “Até à data não tínhamos a infecção hospitalar provocada por este microorganismo que é considerado um microorganismo problema”, garante a directora clínica, Fátima Lima, que se desdobra em explicações sobre o plano traçado no hospital para combater o problema, tudo para “desfazer a ansiedade das pessoas”.

Quando os responsáveis acordaram para o caso – o que aconteceu de imediato, segundo afirmam, mas que apenas se tornou visível para o público depois de um jornal ter divulgado que havia doentes a morrer -, foi delineado um plano de ataque, ainda em curso.

“Trata-se de uma infecção de extrema gravidade porque a disseminação é rapidíssima", explica, enquanto destaca que, agora, o sistema informático na urgência ou na consulta emite uma espécie de alerta no caso de um paciente ter passado pelo hospital no período que sucedeu ao início do surto. Não se assuste, assim, se à entrada do hospital, e se esteve ali internado por um período prolongado nos últimos meses, o mandarem fazer a análise. “É simples”, assevera Fátima Lima.

Depois de um rastreio universal, seguiu-se um rastreio activo, de contacto, dirigido apenas a determinados doentes. Neste momento o hospital tem dois serviços com doentes em isolamento e com profissionais de saúde dedicados a tempo inteiro a esta tarefa. Há uma semana, havia 41 doentes internados, mas apenas quatro estavam infectados, ou seja, tinham manifestações da doença, mas todos pareciam “evoluir favoravelmente” . Na medicina do piso 4 no pavilhão satélite estão internados os  doentes médicos e no serviço de cirurgia mulheres, estão os doentes que vão ser operados.

Em simultâneo, no “rastreio activo” que arrancou a 27 de Outubro, pergunta-se aos doentes se estiveram internados em serviços com história de casos destes nos últimos seis meses e fizeram antibióticos por um período superior a três meses, se vêm transferidos de outra instituição e aí permaneceram internados mais de três dias, se têm história de internamento prolongado superior a 15 dias nos últimos seis meses e tiveram que colocar dispositivos invasivos ou exibiam úlceras exsudativas e foram submetidos a tratamentos prolongados com antibióticos.

No total, desde que o problema foi conhecido, já foram rastreadas  340  pessoas. No rastreio universal, 78 doentes deram positivo e, no rastreio activo, o mesmo aconteceu com 23. Destes, apenas quatro estão infectados. Estão a evoluir favoravelmente, ainda que a taxa de mortalidade em meio hospitalar seja elevada – cerca de 40% - e ainda se saiba pouco sobre a duração. “Há estudos que dizem que os portadores provavelmente vão ser portadores a vida toda”. Mas com a bactéria está no “tracto gastrointestinal baixo”, nas fezes, não representa qualquer perigo para as pessoas saudáveis. “Basta um reforço das medidas de higienização”, assegura Fátima Lima. As cautelas que os profissionais e os cuidadores dos doentes– porque estes podem ter alta entretanto e ir para casa -  são muito simples: “lavar sempre as mãos antes e depois de fazer a higiene”.  

Quanto às três mortes associadas à infecção hospitalar, a directora clínica nota que eram todos doentes “muito debilitados”. Este tipo de infecção “encaixa num tipo de doentes muito particular”, diz. São pacientes  que concentram vários factores de risco - idade avançada, doença grave, tempo de internamento prolongado e utilização de dispositivos invasivos.

Sobre a falta de enfermeiros e de auxiliares que potencia o risco de infecção hospitalar, a médica lembra que o maior número de infectados estava nas enfermarias e não nos cuidados intensivos (onde habitualmente a taxa de infecção é muito superior). “O que coloca a questão: terá isto a ver com o rácio de enfermeiros? Fica sempre aqui um alerta. Temos falta de enfermeiros e de auxiliares, mas será que isso está directamente relacionado?”, pergunta.

Usamos três vezes mais antibióticos “bomba” do que outros países europeus
Portugal era, em 2012,  o país europeu com o uso mais elevado de carbapenemes, antibióticos de muito largo espectro que são usados para combater infecções graves em meio hospitalar e a que os médicos recorrem quando as outras armas terapêuticas não funcionam. Nessa altura, os carbapenemes representavam 9,8% do total dos antibacterianos de uso sistémico nos hospitais, três vezes mais do que a média europeia, que era de 2,9%.

A situação melhorou entretanto, mas ainda preocupa os especialistas. “É um ciclo vicioso. Como somos um país com muitas resistências, usamos antibióticos de mais largo espectro”, explica o coordenador do Programa de Prevenção e Controlo da Infecção e de Resistência aos Antimicrobianos, José Artur Paiva. O que há a fazer agora é “anular toda a utilização não necessária, tanto em infecções como em duração de tratamento”, preconiza. O especialista deverá apersentar esta segunda-feira, em Lisboa, os dados mais recentes sobre estes problemas nas 1.ªs Jornadas do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos.

O certo é que ir a um hospital é arriscado. Segundo o último inquérito conhecido do Centro Europeu para o Controlo de Doenças (de 2012), uma em cada dez pessoas internadas nos hospitais portugueses tinha uma infecção hospitalar, quase o dobro da média dos 30 países avaliados. De resto, quase metade dos perto de 20 mil doentes portugueses estudados estava então a tomar antibióticos (quando a média europeia era de 35,8%)

No conjunto das infecções hospitalares, a emergência da  Klebsiella pneumoniae resistente a carbapenemes (KPC) é ainda um problema com pouca visibilidade (1,8%), está até um pouco abaixo da média europeia e muito longe daquilo que se verifica noutros países, como a Grécia (50%) e a Itália (30%). Ainda assim, o médico olha para este problema com uma certa apreensão, por estarmos a “assistir a uma progressão significativa”, ao passarmos de 0,3%, há três anos, para 0,7%, no ano seguinte, e 1,8%,em 2013.

No último relatório do programa salienta-se que a emergência desta resistência é “um problema ainda raro em Portugal, mas “francamente preocupante”, particularmente no caso da Klebsiella pneumoniae. De tal forma que o programa instituiu uma rede de vigilância de microorganismos alerta para a rápida detecção destes casos e prevenção da transmissão entre doentes. Este tipo de tipo de resistência está descrito em Portugal desde 2009.

Noutras bactérias, como a Staphylococcus aureus, a taxa de resistências ronda os 50%, mas tem vindo a baixar nos últimos anos. Em 2012, a taxa de Staphylococcus aureus resistentes a meticilina diminuiu pela primeira vez e em 2013 repetiu-se a tendência. Portugal passou assim do primeiro para o terceiro lugar na lista dos países com piores indicadores.

Outros casos de infecção hospitalar

Abril de 2003
A infecção contraída em meio hospitalar ganhou maior relevância pública ao ser divulgada a morte de cinco crianças que tinham passado pelo serviço de Pediatria do Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães), vítimas de infecções respiratórias causadas por adenovírus. A Inspecção-Geral da Saúde emitiu então uma série de recomendações e a Direcção-Geral da Saúde passou a incluir no seu “site” informações sobre infecção hospitalar, em que alertava para a necessidade do bom funcionamento das comissões de controlo de infecção (obrigatórias desde 1996).

Fevereiro 2004
Quatro idosos morreram no hospital de Pombal com pneumonia, associada a várias bactérias multirresistentes, nomeadamente a Acynetobacter baumanni. O surto envolveu sete pacientes com idades compreendidas entre os 75 e os 87 anos e diversas patologias associadas - como diabetes, bronquite crónica e problemas cardiovasculares.

Agosto 2005
Quatro doentes que se encontravam internados no serviço de Pneumologia do Hospital de Santo André (Leiria) foram isolados em quartos individuais, na sequência do contágio com a bactéria hospitalar Acinectobacter baumanii). Dois dos doentes apresentavam uma infecção multirresistente. Neste caso, não foi divulgada qualquer morte associada à  bactéria.

Maio de 2007
Um menino de 20 meses infectado com três bactérias morreu no Hospital de S. João (HSJ), no Porto, depois de ter passado pela unidade de cuidados intensivos. O bebé estava infectado com uma bactéria muito rara que tinha sido detectada semanas antes no hospital e que foi encontrada em mais sete crianças ali internadas. Ficou por determinar se a morte se deveu a um microrganismo raro, a Klebesiella ornithinolytica, porque a criança estava também infectada com mais duas duas bactérias  Todas as crianças em que a bactéria foi detectada estavam a ser alimentadas artificialmente por via endovenosa através de bolsas manipuladas nos serviços farmacêuticos do hospital.

Janeiro de 2009
No Hospital de Faro, foram detectados 31 doentes infectados com Clostridium difficile, oito dos quais morreram. O inquérito epidemiológico feito pela autoridade de saúde e pelo hospital concluiu que nenhuma das mortes foi directamente imputável à bactéria e que as causas primárias dos óbitos foram outras patologias.

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