Quentin Tarantino diz à polícia: “não vou recuar”

Realizador responde à polémica em torno das suas declarações sobre violência policial e recebe apoio de Jamie Foxx e de Harvey Weinstein. Boicote pode ou não afectar The Hateful Eight?

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Tarantino não considera que os filmes sejam culpados pela violência no mundo Carlo Allegri/Reuters

Numa altura em que até as polícias fronteiriças dos EUA se juntam ao apelo ao boicote aos filmes de Quentin Tarantino, o realizador finalmente veio a público esclarecer as suas declarações sobre a violência policial, mas também frisar: “não vou recuar”. Acusando o movimento de boicote de intimidação, disse ao Los Angeles Times: “todos os polícias não são assassinos. Nunca disse isso. Nunca sequer insinuei isso”.

Nas suas primeiras declarações públicas desde que, há uma semana, as forças policiais das principais cidades norte-americanas se insurgiram contra as declarações do realizador sobre o envolvimento de agentes em brutalidade e detenções fatais, Tarantino considera que “o que eles estão a fazer é bastante óbvio”.

“Em vez de lidarem com os incidentes da brutalidade policial” contra os quais os manifestantes protestavam no dia 24 de Outubro em Nova Iorque, e onde Tarantino falou, “em vez de examinarem o problema da brutalidade policial neste país, eles individualizaram-me. E a mensagem é muito clara. É para me calar. É para me desacreditar. É para me intimidar. É para calar a minha boca e mais importante do que isso, para mandar uma mensagem para qualquer outra pessoa proeminente que possa sentir a necessidade de se juntar a esse lado da discussão”, disse ao Los Angeles Times na terça-feira.

A 24 de Outubro, Tarantino disse a manifestantes reunidos em Nova Iorque no âmbito do mês #RiseUpOctober do movimento Black Lives Matter que o problema da violência policial, e em particular do alegado uso excessivo de força contra cidadãos negros, era um problema de homicídio. “Tenho de chamar a um assassínio um assassínio, e tenho de chamar assassinos aos assassinos”, disse então, enfurecendo vários dirigentes das forças policiais. Além do movimento das organizações representativas de agentes, também o tablóide conservador New York Post disse a Tarantino “faça a coisa acertada e peça desculpas publicamente” na sua primeira página de terça-feira.

Desde então, as direcções das polícias das cinco maiores cidades norte-americanas, bem como a polícia fronteiriça, apelaram ao boicote do próximo filme do realizador, The Hateful Eight (e também aos serviços vários prestados por agentes quando não ao serviço no controlo de trânsito, segurança ou consultoria em rodagens) de todos os seus projectos. Mas o realizador acredita que aqueles que estão a “gritar contra” ele são “porta-vozes da polícia” e que “isso não significa que os polícias vão responder. Porque na verdade tenho muitos fãs que são agentes policiais. Veremos o que acontece. Mas tenho o direito da 1.ª Emenda [da Constituição americana, que consagra a liberdade de expressão] de protestar contra a brutalidade policial. E não vou recuar nisso”.

Um apoiante de Tarantino, para além da organização da manifestação de dia 24 e da romancista Joyce Carol Oates, é o actor Jamie Foxx, que, citado pela Variety, invectivou o realizador e argumentista: “Continua a dizer a verdade e não te preocupes com nenhum dos haters”.

A Weinstein Company, que distribui os seus filmes, falou finalmente sobre a polémica, tendo na terça-feira manifestado o seu “tremendo respeito” pelo realizador com quem trabalha há anos, embora se tenha reservado nas declarações directas sobre o assunto: “Não falamos pelo Quentin, pode e deve ser-lhe permitido que fale por si”. Contudo, um dos principais críticos de cinema da Variety escreveu terça-feira um artigo em que não só defende que “Quentin Tarantino não deve pedir desculpas” e classifica a reacção “exagerada” das organizações policiais como “histérica”, mas também diz que Weinstein “estará furioso” com Tarantino.

Justin Chang, chief film critic da influente publicação especializada na indústria cinematográfica, explica que Harvey Weinstein estará irritado “com o realizador por ter ido à manifestação em Nova Iorque” apenas dois meses antes da estreia do novo filme. E acrescenta, em defesa da posição assumida por Quantin mas também reconhecendo o efeito da violência dos termos usados, que “Tarantino não é a primeira celebridade de Hollywood a falar sobre o uso de força letal pela polícia. Mas é o único que suscitou uma resposta tão feroz e coordenada; as suas palavras, como muitas vezes o fazem, claramente atingiram um ponto sensível”. Não esquecendo, como os seus críticos têm sublinhado, o cinema conotado com a violência do autor de Reservoir Dogs ou Django Libertado, mas também o facto de Tarantino ser um “realizador branco” com “sensibilidade de bad-boy”, Chang remata: “Talvez o verdadeiro problema não seja o que Quentin Tarantino está a dizer, mas que não haja mais pessoas a dizê-lo com ele”.

Ao diário de Los Angeles, Tarantino sublinhou que as suas declarações diziam respeito aos agentes que cometeram tais actos de violência e abuso de autoridade, queixando-se de estar a ser “diabolizado” e rejeitando os rótulos que lhe têm sido colados pelos representantes policiais. Mas a National Association of Police Organizations, que já se tinha juntado ao apelo – que ao que tudo indica, como escreve a imprensa americana, terá sido lançado pelo presidente do sindicato de polícias de Nova Iorque Patrick Lynch -, considera os seus esclarecimentos “ridículos” e reitera que as suas palavras foram entendidas de forma correcta e insensíveis pelo facto de terem sido proferidas quatro dias depois de um agente ter sido morto a tiro em trabalho em Nova Iorque.

No LA Times, dividem-se as opiniões sobre se a controvérsia chegará a abalar a estreia de The Hateful Eight, a 25 de Dezembro nos EUA. “Há uma corrente subterrânea de pessoas que são muito pró-polícia e serão” elas que “vão acabar com o filme”, diz Craig Lally, responsável da Los Angeles Police Protective League; “No caso de Quentin, se o filme for bom, os seus fãs vão vê-lo, com ou sem boicote”, defende o produtor de Scorsese e professor universitário professor Jonathan Taplin; “Não há muitas coisas que poderiam ser melhores para este filme do que as forças de autoridade tentarem boicotá-lo”, acredita Todd Boyd, professor na School of Cinematic Arts.

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