Irão recebe finalmente um lugar à mesa para discutir a guerra na Síria
Envolvimento da Rússia a favor de Assad abriu as portas da diplomacia a Teerão. Haverá pela primeira vez discussão entre todas as potências com interesses no conflito sírio.
O Irão vai encontrar-se pela primeira vez com os seus rivais regionais e internacionais, na sexta-feira, para discutir uma solução política na Síria, algo que o Ocidente e os seus aliados na região sempre se recusaram a aceitar até a esta semana. O ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano viajará para Viena, onde estará frente-a-frente com os seus homólogos dos Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Iraque, França, e representantes da União Europeia e outros países da região. Não se conhecem ainda convites a figuras do regime de Bashar al-Assad, grupos rebeldes ou oposicionistas.
A porta abriu-se para a participação do Irão apenas na terça-feira, depois de dias de negociações entre norte-americanos e sauditas, os grandes rivais de Teerão no Médio Oriente. A Rússia, por seu lado, fez a ponte com a delegação iraniana, que aceitou nesta quarta-feira o convite. Esta será a primeira vez desde o início da guerra, em 2011, que todos os grandes actores regionais e internacionais se encontram para discutir a Síria.
Mas é improvável que o encontro de Viena dê passos substanciais no caminho de uma resolução política do conflito. O Irão apoia o regime de Assad desde o início da guerra, através do Hezbollah libanês, o seu poderoso satélite xiita, e também com o envio de armamento e dinheiro, e é visto por muitos como a principal razão pela qual o Presidente sírio aguentou quatro anos e meio de guerra. Teerão, aliás, está a reforçar o seu contingente militar na Síria. Disse-o esta semana o número dois das suas brigadas de elite, a Guarda da Revolução, ao falar das mortes de figuras destacadas do exército iraniano na Síria neste mês – dois generais, dois coronéis e oito militares, que Teerão insiste em dizer que estão na guerra para aconselharem as forças de Assad. O encontro de Viena será, acima de tudo, um teste aos canais diplomáticos criados com o acordo nuclear iraniano.
Mais do que traduzir a sua nova presença no terreno, a entrada do Irão no plano diplomático é sinal do impacto que a intervenção militar de Moscovo na Síria tem sobre o processo político – os media russos falavam nesta quarta-feira de uma “vitória de Putin”. A Rússia insistiu desde cedo que Teerão fizesse parte dos encontros diplomáticos para a paz na Síria, algo a que o Ocidente se recusou. Aliás, em 2014, num encontro em Genebra, norte-americanos, britânicos e sauditas pressionaram as Nações Unidas para que revogassem o convite à participação da equipa iraniana, como acabou por acontecer.
Assad era então um alvo a abater e não havia lugar para o seu principal patrocinador em encontros diplomáticos. Mas o panorama da guerra mudou desde 2014. Moscovo passou de facilitador do regime a seu aliado no terreno e o Presidente sírio é agora consensualmente visto no Ocidente como uma figura inevitável para um qualquer processo de transição. Os Estados Unidos, por outro lado, assistiram nos últimos meses ao fracassar dos seus projectos de treino a rebeldes moderados, que se aliaram a grupos jihadistas ou se foram tornando cada vez mais irrelevantes no terreno.
As mesmas razões que fizeram com que o Ocidente rejeitasse antes a presença do Irão nas discussões sobre o futuro da Síria são agora o principal motivo para o convidar. “Os americanos e os actores estrangeiros na Síria não têm escolha a não ser aceitar as realidades”, disse nesta quarta-feira o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, na televisão estatal. Algo em linha com o que foi dito um dia antes pelo porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, quando confirmou o convite para que delegação iraniana viajasse até Viena. “[Os EUA] reconheceram sempre que a dada altura nas discussões, no caminho de uma transição política, teríamos de ter uma conversa e dialogar com o Irão”, afirmou John Kirby.
EUA mudam estratégia
A acção da Rússia e do Irão coloca as forças leais a Assad na ofensiva, como agora acontece em Alepo, no Norte. Ao mesmo tempo, os dois países atacam com intensidade grupos rebeldes extremistas e moderados, tanto nas zonas em que o Presidente sírio está mais frágil, como naquelas em que o regime tem mais a ganhar. Enquanto isso, os Estados Unidos, que têm reduzido o número de bombardeamentos contra o autoproclamado Estado Islâmico, estão a reequacionar a sua estratégia para a Síria e Iraque.
O secretário da Defesa dos Estados Unidos anunciou na terça-feira que as tropas americanas vão reforçar as “acções no terreno” contra os jihadistas nos dois países, na mesma linha da operação de resgate a reféns da última semana, no Iraque, em que um sargento americano morreu. Ashton Carter disse-o no Senado, em Washington, recusando a ideia de que a mudança na estratégia põe em causa a promessa de Obama em não enviar tropas para o terreno na Síria.
A haver um reforço militar, este não acontecerá em larga escala, assegurou Carter. Os soldados norte-americanos vão reforçar o seu apoio a “combatentes moderados” e estarão focados naquilo que designou como os “três R”, ou seja, Raqqa, a capital de facto do Estado Islâmico; Ramadi, capital da maior região sunita no Iraque, também sob o controlo dos jihadistas; e raides militares, como o da última semana, que devem ser pontuais.