À procura dos segredos que se escondem na Lisboa subterrânea
A partir desta sexta-feira e até domingo as galerias romanas da Rua da Prata estão abertas ao público. Desta vez, sem as enormes filas do costume. Estão inscritas 3300 pessoas
Não é todos os dias que se pode percorrer a Lisboa subterrânea – na Rua da Prata só é possível fazê-lo duas vezes por ano, em Abril e em Setembro, quando o Museu Municipal põe tudo a postos para secar temporariamente os corredores e compartimentos abobadados. “Abrir mais do que duas vezes poderia ser problemático porque não sabemos o comportamento que a estrutura pode ter com a secagem permanente”, explica o guia António Marques, do Centro de Arqueologia de Lisboa. Outro argumento é a complexa logística envolvida - limpar, instalar pontos de luz, retirar "muitos metros cúbicos" de água.
Por isso, de cada vez que se anunciam os dias de visita, já se antecipa um cenário: filas intermináveis que dão a volta ao quarteirão, com muitas pessoas a esperarem horas para poderem entrar no alçapão e descer as escadas minúsculas até às galerias. "Havia muita contestação por causa das filas enormes", admite António Marques. Desta vez, o Museu da Cidade abriu antecipadamente inscrições gratuitas para as visitas, que se realizam no âmbito das Jornadas Europeias do Património. As vagas esgotaram em três dias – no total, entre esta sexta-feira e domingo, 3300 pessoas vão poder conhecer este vestígio da Olissipo romana, cuja construção remonta ao século I d.C.
O criptopórtico (cripto por estar escondido debaixo da terra, pórtico por ser composto por galerias abobadadas que sustentam construções na superfície) é "uma solução de engenharia que os romanos implementaram para fazer face às contingências geológicas", uma espécie de plataforma que lhes permitiu suster as areias fluviais e construir sobre o solo naquela zona à beira Tejo, explica o guia, de galochas até aos joelhos. Vê-se que está habituado a circular por entre as poças de água (os bombeiros estão constantemente a bombar água que se acumula mesmo após o esvaziamento) e os pingos que vão caindo do tecto. Conselho aos visitantes: levar calçado fechado.
As galerias, cuja dimensão total é ainda desconhecida (o conhecimento avança à medida que se realizam obras na cidade), permaneceram incógnitas desde a Idade Média até ao século XVIII, tendo sido descobertas após o terramoto de 1755, durante a reconstrução pombalina. Até ao final do século XX pensou-se que ali teriam funcionado umas termas romanas. "Actualmente sabemos que não era um conjunto termal, embora pudesse haver um edifício de termas sobre esta estrutura", afirma o guia arqueólogo, sublinhando que o espaço estaria seco
Não se sabe ao certo que construções existiam à superfície. "Tudo indica que estariam relacionadas com as actividades portuárias e mercantis de Olissipo." Alguns compartimentos (pequenas celas, onde é preciso andar curvado) poderiam servir até para o armazenamento dos produtos, de comerciantes que teriam as suas lojas na Baixa.
Mas afinal, de onde vem a água que enche o labirinto de corredores abobadados até cerca de 1,50 metros de altura? A explicação está na Galeria das Nascentes – antes chamada de Olhos de Água, porque se acreditava que a água seria boa para curar doenças oculares – cujo tecto está rasgado, de uma ponta à outra. Desta fenda estreita escorrem os lençóis freáticos enterrados, por exemplo, na Avenida da Liberdade, que naturalmente correm para o Tejo. Chegando ali, as águas esbarram nas paredes erguidas aquando da construção da rede de saneamento da cidade, e acumulam-se.
Seja por movimentações dos terrenos, seja pela trepidação causada pelos transportes à superfície, a fenda vai abrindo mais num ponto, fechando no outro. Ainda assim, os três aparelhos colocados há dez anos na fissura, para avaliar as alterações, indicam que "o monumento está estabilizado". "Estamos tranquilos", garante António Marques, reiterando que as galerias vão continuar, como no passado, "ao serviço da cidade de Lisboa", a "suportar meio quarteirão".