Um advogado paquistanês vai viver na casa de Sócrates
Ex-primeiro-ministro vendeu o seu apartamento de luxo em Lisboa ao ex-procurador-geral do Paquistão, que está a pedir um visto gold em Portugal.
Sócrates alienou por 675 mil euros o apartamento e a arrecadação que detinha no edifício Heron Castilho, um imóvel de luxo próximo da rotunda do Marquês de Pombal. Aparentemente, não havia nada que impedisse a venda, nenhuma acção da justiça a confiscar o imóvel, nenhuma penhora, nenhuma limitação relacionada com a chamada operação Marquês, que está a investigar as suspeitas sobre Sócrates.
João Araújo, advogado de José Sócrates, disse ao PÚBLICO que se tratou de um negócio privado, como tantos outros, que se proporcionou por ter surgido “uma boa oportunidade”.
A transacção foi selada na quarta-feira passada, dia 6, num cartório notarial em Lisboa. João Araújo representou o ex-primeiro-ministro. Do outro lado, estava uma representante da Abreu Advogados, empresa à qual Makhdoom Ali Khan e a sua mulher recorreram para os ajudar na compra de um imóvel em Lisboa e na tramitação de um pedido de visto gold – a autorização de residência dada a quem invista elevadas somas em Portugal.
Na escritura de compra e venda, está registado o valor de 670.310 euros para o apartamento e 4690 euros para a arrecadação. José Sócrates comprara-os em 1998, há 17 anos, por quase um terço deste valor, 242 mil euros (na altura, 48.500 contos) por ambas as fracções, dos quais 235 mil euros só pelo apartamento. Dois anos antes, em 1996, um andar praticamente idêntico ao de José Sócrates, no mesmo edifício, tinha sido vendido por 351 mil euros – cerca de 50% a mais.
Os imóveis tiveram uma hipoteca registada até 2011, como garantia de um empréstimo de 15.000 contos (75 mil euros) que o ex-primeiro-ministro tinha pedido à Caixa Geral de Depósitos para os adquirir. Liquidada esta hipoteca, uma nova passou a incidir sobre o imóvel, em Janeiro deste ano, já José Sócrates estava detido no estabelecimento prisional de Évora. O valor era de 250 mil euros, a favor da mesma instituição bancária, segundo noticiou a TVI em Março passado. No acto da escritura, na semana passada, o advogado João Araújo declarou que o cancelamento desta hipoteca estava assegurado.
Desta vez, Sócrates desfez-se definitivamente do apartamento. O valor da venda é suficiente para Makhdoom Ali Khan obter um visto gold. O limite mínimo é de 500.000 euros, quando o investimento no país é feito na aquisição de um imóvel.
Ali Khan é uma figura conhecida no Paquistão, tido como um dos mais talentosos advogados nas barras dos tribunais. Foi procurador-geral do país entre 2001 e 2007. Desde então co-lidera uma sociedade de advogados em Karachi, participando também em muitas processos de arbitragens internacionais.
Segundo o consultor Luís Fábrica, da Abreu Advogados, o objectivo primordial do casal paquistanês era adquirir um imóvel. “Eles queriam uma casa na Europa, num sítio calmo e seguro”, afirma o advogado. Mas quando souberam que havia o programa de vistos gold, aproveitaram também a oportunidade. Desde o princípio do ano que os documentos necessários estão a ser reunidos. Agora, com a compra da casa, o processo seguirá em frente.
Segundo apurou o PÚBLICO, Makhdoom Ali Khan esteve em Portugal em Dezembro, mas não encontrou nada do seu agrado. Regressou em Julho e interessou-se por um imóvel na Estrela. Mas outro comprador adiantou-se e o advogado paquistanês perdeu a oportunidade.
Na mesma altura, seleccionou mais três alternativas. Duas também não deram certo. A terceira era o apartamento de Sócrates, que lhe agradou por ser central, ter estacionamento, segurança 24 horas por dia e não precisar de obras. “Reunia todos os requisitos que eles queriam”, confirma Luís Fábrica.
Makhdoom Ali Khan soube que o vendedor era José Sócrates somente depois de fazer uma oferta pelo imóvel, pouco tempo antes da marcação da escritura. Os seus advogados em Portugal garantiram-lhe que o apartamento estava livre de quaisquer ónus ou encargos, salvo a hipoteca que seria cancelada, e que não havia qualquer medida especial aplicada pela justiça ao imóvel.
O negócio foi por diante e Luís Fábrica, que é professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, não vislumbra qualquer situação que possa causar problemas no futuro. “É inimaginável, não consigo antecipar que surpresa poderia haver”, afirma.
José Sócrates está preso na cadeia de Évora há mais de oito meses. Até agora não foi alvo de qualquer acusação formal. Em Junho, recusou ir para casa com pulseira electrónica. Até 9 de Setembro deverão ser revistas as medidas de coacção. Nessa altura, poderá eventualmente passar a prisão domiciliária, sem pulseira electrónica, mas com guarda à porta, tal como sucedeu com o ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado.