Queixas contra anúncios que usam crianças para vender carros e telemóveis

Associação Portuguesa de Direito do Consumo diz que Código da Publicidade "parece letra morta".

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Entre 30 e 40% do consumo das famílias europeias é influenciado pelas crianças Fernando Veludo/NFactos
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Criança que aparece no anúncio da Vodafone DR

A utilização de crianças em anúncios publicitários a produtos que não lhes dizem directamente respeito, como telemóveis, automóveis e detergentes, levou os responsáveis da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) a apresentar cinco queixas à Direcção-Geral do Consumidor, nos últimas duas semanas.

Lembrando que há uma norma específica no Código da Publicidade que “proíbe” as empresas de usarem crianças em campanhas publicitárias, a não ser que exista uma relação directa com produtos em causa, o presidente da APDC, Mário Frota, defendeu segunda-feira que os anúncios que contrariam esta regra devem ser "imediatamente suspensos".

Num dos vários anúncios que motivaram as queixas desta associação, uma campanha da Vodafone, a protagonista é uma criança “encantadora e enternecedora” que “até chora”, ilustra Mário Frota, para quem não há dúvidas de que este tipo de utilização de menores "é um abuso manifesto”.

Nas últimas duas semanas, precisou, a associação apresentou queixas à directora-geral do consumidor, não só contra a Vodafone, mas também contra as empresas responsáveis pelas marcas Skip, Fairy, Seat e Calvé. Mas estes são apenas os exemplos mais recentes, frisa Mário Frota, lembrando que não é a primeira vez que associação apresenta queixas contra empresas que “usam indevidamente” crianças para fazer publicidade: "Temos feito muitas queixas mas tem servido de pouco. O Código da Publicidade parece letra morta e a impunidade persiste".

O problema é que, apesar de "por vezes" haver resposta da Direcção-Geral do Consumidor, "que afirma que vai instruir autos de contra-ordenação, depois perde-se o rasto a estas situações, não somos informados da sequência dos processos". Uma situação que se fica a dever à "exiguidade dos quadros da própria entidade fiscalizadora" e que impede "uma acção eficaz", sustenta.

Para o presidente da APDC, não há dúvidas de que estes anúncios estão a usar ilegalmente as crianças, uma vez que o Código da Publicidade frisa expressamente que "os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado".

No entanto, o Código do Trabalho prevê que os menores podem participar em actividades de natureza publicitária, desde que a sua segurança e saúde não sejam postas em causa, e desde que sejam observados limites de horas por mês, consoante a  sua idade.

"O Código de Trabalho permite mas só em determinadas circunstâncias", retorque Mário Frota. "É lícito usar crianças em anúncios a fraldas ou a brinquedos educativos”, exemplifica, sublinhando que o mesmo não se verifica quando os “contornos da mensagem não tem qualquer conexão com as crianças”, como será o caso dos anúncios contestados. 

“As crianças até aos oito, nove anos não distinguem a publicidade da informação corrente e, apesar de isso estar previsto na lei, não há uma educação para o consumo nas escolas”, lamenta ainda o presidente da APDC, que lembra que "entre 30 a 40% do consumo das famílias europeias é influenciado pelas crianças". “Dá lucro às empresas explorar as crianças ou explorar os adultos através das crianças”, enfatiza.

"O menor não tem capacidade para comprar, a não ser o que estiver ao alcance da sua maturidade, mas tem capacidade para exigir a aquisição do que quer que seja depois de induzido pela publicidade, que se aproveita do seu fraco entendimento", sintetiza.

Para o próximo mês, está agendada uma reunião com o presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco para discutir esta situação, disse.

Mário Frota adiantou ainda à Lusa que a APDC enviou uma carta ao ministro da Economia, solicitando a intervenção da tutela e a revisão do artigo 14.º do Código da Publicidade, que se refere especificamente ao uso indevido de menores. O objectivo é proibir a publicidade infanto-juvenil até aos 12/13 anos, como acontece “em países como a Suécia e Noruega e Canadá (no Quebeque)”. Na Europa, lamenta, "não há uma norma de carácter uniforme, a não ser quando está em causa uma exortação directa à criança para que compre".

O PÚBLICO contactou uma das empresas alvo das queixas, a Vodafone, que respondeu que “não tem qualquer comentário a fazer”. “Fá-lo-á em sede própria, quando for notificada da queixa”, explicou. Já o Ministério da Economia, que superintende a Direcção-Geral do Consumidor (DGC), não fez qualquer comentário, remetendo para uma nota da DGC, dando conta que "está a averiguar se as referidas queixas foram recepcionadas nos seus serviços". "Caso se confirme, a DGC vai naturalmente analisar as situações descritas e exercer as suas competências no âmbito da fiscalização da publicidade, ouvindo os operadores económicos envolvidos como prevê a legislação. Verificados os pressupostos legais, a DGC encetará então os correspondentes processos de contraordenação, podendo vir a decretar as medidas cautelares previstas na lei."

O que diz a lei
O Código da Publicidade refere, no número 1 do seu artigo 14.º, que a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter “sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica” e, por isso, deve abster-se de os incitar, “explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço”. Deve também abster-se de “incitar directamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão”.

Precisa ainda este código que a publicidade não deve conter “elementos susceptíveis de fazerem perigar a integridade física ou moral [dos menores], bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência”. As campanhas publicitárias devem igualmente abster-se de “explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores”.  

Mas é no número 2 do artigo 14.º que aparece expressa a proibição que motivou a queixa da Associação Portuguesa do Direito do Consumo: “Os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado”. 

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