A bolsa caiu e Pequim voltou a não acreditar nos mercados

Assustados com a queda abrupta do valor das acções em Xangai, os líderes chineses deram vários passos atrás na sua política de liberalização dos mercados e ficaram agora com a sua credibilidade em risco.

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As causas para o colapso iniciado a partir de meados de Junho não são muito claras Kim Kyung-Hoon/Reuters

“Temos de aprofundar a reforma do nosso sistema económico, centrando-nos no papel decisivo no mercado na alocação de recursos”, escreveu o presidente da China quando apresentou, em 2013, as suas ideias para a condução da política económica do país.

As reformas lançadas pela administração liderada por Xi Jinping baseiam-se na ideia de que, para continuar a crescer, a China tem de confiar nas potencialidades do funcionamento de mercado, na sua capacidade para tomar melhores decisões sobre onde colocar o dinheiro. Mas as últimas semanas de queda abrupta das bolsas e a resposta dada pelas autoridades veio demonstrar que, afinal, em Pequim, a confiança no funcionamento dos mercados não é tão grande como se pensava. E que o inverso, a partir de agora, também se pode tornar verdade.

Tudo aconteceu muito rapidamente. No espaço de menos de um mês, perderam-se no mercado de acções chinês 2,7 biliões de euros. A queda começou em meados de Junho e desde aí até à passada quarta-feira, a perda de valor no índice de Xangai foi de 31%.

A desvalorização no valor das acções foi acontecendo apesar das sucessivas intervenções realizadas pelas autoridades. Primeiro, foi uma resposta tradicional, com a descida das taxas de juro. Algo perfeitamente normal num cenário de inflação baixa como aquele que se vive na China. O efeito é que foi muito reduzido nos mercados, as acções continuaram a cair.

Depois, as autoridades viraram-se para acções menos tradicionais, daquelas que se usam já em estado de emergência. Voltaram a facilitar a obtenção de crédito, forçaram as maiores instituições financeiras chinesas a unirem-se para segurar o mercado até que ele voltasse aos 4500 pontos (agora está nos 4100), anularam todas as emissões de novas acções que estavam agendadas e garantiram que o banco central irá providenciar toda a liquidez necessária para que os investidores façam compras que assegurem que o valor das acções voltará a subir.

Inicialmente, as medidas em crescendo do Governo foram vistas como a comprovação de que a situação era mesmo muito grave, acabando por aumentar o pânico. Esta semana, finalmente, depois de se ter deixado que a cotação de mais de 1300 empresas fosse auto suspensa, a queda foi interrompida, registando-se uma recuperação parcial dos índices bolsistas.

Porquê o pânico?
As causas para o colapso iniciado a partir de meados de Junho não são muito claras. As notícias de uma continuação do abrandamento da economia chinesa e as medidas do regulador para tentar reduzir o recurso ao crédito para a compra de acções podem ter começado a baixar os níveis de optimismo, mas o que se seguiu depois foi uma tradicional reacção de pânico colectivo nos mercados, que a dada altura parecia aumentar a cada vez que o Governo, com as suas intervenções, dava sinais de grande preocupação.

Aliás, uma das questões que mais analistas têm vindo a colocar perante os últimos acontecimentos é a de saber porque é que as autoridades entraram em pânico, disparando para todos os lados, perante uma perda de valor das acções que, mesmo até agora, ainda é menor do que a subida que aconteceu na primeira metade do ano.

Se é verdade que, nas últimas semanas, houve quem perdesse muito dinheiro na bolsa de Xangai, não se deve esquecer que provavelmente ganharam muito mais durante os meses anteriores. Quem tenha comprado as acções até Março, não está ainda a perder dinheiro e até há analistas que defendem que o mercado estava a precisar de um período de correcção para depois reiniciar uma tendência de subida. Desde o início do ano a subida ainda é, neste momento, de 12,8%.

Sendo assim, o que fez Pequim intervir de forma tão agressiva, usando todos, e mais alguns, instrumentos possíveis?

Uma das explicações é o medo de que o fim da subida nas bolsas se torne na gota de água que faz transbordar o copo da insustentabilidade da explosão da economia chinesa. Depois de vários anos com taxas de crescimento acima dos 10%, a China caiu no último ano para crescimentos mais moderados, ligeiramente acima dos 7% que se diz serem necessários para assegurar a estabilidade no país.

As autoridades têm vindo a tentar passar de um modelo baseado nas exportações e no investimento público para outro que aposte num aumento do rendimento disponível dos chineses e do consumo.

O mercado bolsista tem vindo a desempenhar um papel importante nessa estratégia. Depois de o mercado imobiliário ter deixado de crescer de forma exuberante, no último ano e meio a bolsa tornou-se para muitos chineses, da alta mas também da classe média, uma forma muito popular de aumentar o rendimento e, claro, o consumo.

As autoridades encorajaram esse entusiasmo com a bolsa. Nas publicações oficiais do Partido Comunista eram feitas previsões bastante optimistas sobre a evolução dos mercados e os principais meios de comunicação social davam uma grande importância às espantosas valorizações que estavam a ser conseguidas pela generalidade dos títulos.

Uma ideia muitas vezes difundida era a de que os bons resultados da bolsa eram o resultado das reformas implementadas com a liderança de Xi Jinping.

Isso pode explicar porque é que, agora, perante uma queda tão pronunciada, que pode afectar de forma significativa a nova classe média chinesa, o Governo de Pequim veja o insucesso na bolsas como um risco para a sua credibilidade. E algo que pode gerar um descontentamento social que os líderes chineses tentam a todo o custo evitar.

O problema para a elite política chinesa é que a estratégia de reformas, com incentivos ao desenvolvimento dos mercados de capitais pode agora ficar sob ameaça por causa destas últimas acções.

Por um lado, é verdade que, para alguns investidores, se pode criar a ideia de que o Governo nunca vai deixar cair as bolsas, numa versão chinesa da declaração de Draghi na Europa prometendo fazer “tudo o que for preciso” para salvar o euro. Mas por outro, as restrições feitas às vendas das acções e a aceitação da prática generalizada de suspensão dos títulos pode levar muitos investidores a pensarem duas vezes sobre se querem mesmo colocar o seu dinheiro na bolsa.

É por isso que, apesar da recuperação das duas últimas sessões, muitos duvidam que o optimismo volte novamente às acções, forçando as autoridades a intervirem nos mercados que tinham prometido libertar no novo modelo económico chinês.

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