Palmas para Pomar e para o comprador incógnito de O Almoço do Trolha por 350 mil euros

Recorde pessoal para o pintor, que tem na obra seminal do neo-realismo português a sua obra mais valiosa vendida em leilão, e impasse para o Estado que aguarda mais informações sobre o seu comprador.

Fotogaleria
Pedro Elias
Fotogaleria
Pedro Elias
Fotogaleria
Pedro Elias

A primeira noite do leilão Antiguidades e Arte Moderna e Contemporânea da Palácio do Correio Velho pertenceria sempre a Júlio Pomar e ao seu histórico O Almoço do Trolha, que se tornou a primeira pintura de um artista vivo a ser classificada em Portugal. E assim foi. A base de licitação era de 300 mil euros e foi vendido esta quarta-feira à noite por 350 mil euros depois de ter sido disputado por dois licitadores – o seu comprador, cuja aquisição foi saudada com palmas, não quis ser identificado.

Apesar de o Estado ter aberto o processo de classificação, este não era obrigado a adquiri-la mas podia licitar com outros interessados e, no fim da venda do lote, podia exercer o seu direito de preferência e comprá-lo pelo valor final. Presente na sala, o subdirector-geral do Património, Samuel Rego, não interveio na venda e não quis fazer comentários ao PÚBLICO até que saiba mais sobre o comprador da pintura. Sara Antónia Matos, directora da Casa Museu Júlio Pomar, disse desconhecer ainda qual será a actuação do Estado, mas admitiu que ver O Almoço do Trolha numa colecção estatal “seria muito bom” nomeadamente para fins de empréstimo. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO na semana passada eram unânimes na defesa de que o lugar para O Almoço do Trolha é o Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado.

Os 350 mil euros atingidos quando caiu o martelo (aos quais acrescem a comissão de venda) são um recorde para o próprio artista, cuja obra mais valiosa em leilão tinha atingido os 180 mil euros - “duplica o valor máximo de Pomar e com uma obra muito importante na sua vida e na história do país”, contextualizou ao PÚBLICO Luís Urbano Afonso, investigador responsável pelo mestrado de Gestão de Mercados de Arte do ISCTE. Ainda assim, Afonso admite que tinha “esperança de que pudesse ter suscitado mais interesse – esta obra tem um valor histórico e cultural maior do que este, económico”.

No leilão, que começou com a informação sobre o processo de classificação de O Almoço do Trolha e com a manifestação do “grande orgulho” da Correio Velho em levar à praça a obra seminal do neo-realismo português, foram ainda vendidos Mulher com Lenço (1950) por 4800 euros, um óleo de Pomar bem acima da estimativa de venda entre os 1500 e os 3000 euros, ou Alto dos Sete Moinhos (1952) de João Hogan, que atingiu mesmo os 24 mil euros (a estimativa máxima de venda estava nos 16 mil euros).

Os primeiros 229 lotes desta concorrida venda foram à praça na noite de quarta-feira (esta quinta-feira seguem-se os restantes do leilão de 566 lotes) já se sabendo que existiam vários interessados na pintura emblemática do neo-realismo de Pomar português – fonte da leiloeira falou mesmo à agência Lusa de um coleccionador particular que visava adquiri-la para a expor num futuro museu que pretendia criar. A sua classificação implica restrições à circulação da obra, que tem de permanecer em Portugal salvo desclassificação perante a vontade de venda para o estrangeiro, como obriga a Lei de Bases do Património Cultural.

O Almoço do Trolha (1947-50) foi pintado antes e depois de o artista ter sido preso pela PIDE - “Júlio Pomar ficou nessa história como um herói de resistência, e o seu quadro como o símbolo dela”, escreveu José-Augusto França em 100 Quadros Portugueses no Século XX (Quetzal, 2000). Tem 1,50 por 1,20 metros e pertencia à colecção de Maria José Salvador e Manuel Tôrres - um dos sócios fundadores da Gravura –Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses e amigos de Pomar. Grande parte da sua colecção informou este leilão.

Descrita ao PÚBLICO na semana passada pelo director-geral do Património, Nuno Vassallo e Silva, como “uma peça importantíssima”, era já em 1976 um dos “tópicos da pintura portuguesa contemporânea” para o crítico Ernesto de Sousa (como escreveu na Seara Nova) e Rui Mário Gonçalves categorizava-a em Pintura e Escultura em Portugal como “um dos marcos mais importantes da pintura neo-realista” – estes últimos citados no catálogo do leilão.

Na noite de quarta-feira foram também à praça outras 23 obras do autor, bem como peças de Artur Bual, José Cargaleiro, Columbano, Julião Sarmento, Nadir Afonso, Escada, João Hogan ou Paula Rêgo, além de peças dos designers Daciano Costa ou José Espinho, porcelanas da Companhia das Índias, jóias e peças de artes decorativas. 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários