Ordem quer garantir que médicos pedófilos não continuam a trabalhar com crianças
Conselho de Ética e Deontologia Médicas fez proposta para rever os estatutos e permitir que suspensão vá até aos 23 anos.
O coordenador do Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas (CNEDM), em declarações ao PÚBLICO, explicou que o actual estatuto da Ordem dos Médicos não separa o tipo de crimes e apenas admite quatro possibilidades: advertência, censura, suspensão até cinco anos ou expulsão. Para Miguel Leão, nenhuma destas possibilidades dá resposta ao problema dos médicos pedófilos, até porque a suspensão, além de vigorar por um período demasiado curto, é passível de recurso para os tribunais. O clínico recorre a uma imagem para ilustrar a capacidade da ordem: “A sanção que podemos dar a alguém que recebe uma torradeira da indústria farmacêutica ou que é condenado por pedofilia é a mesma”.
O médico dá como exemplo um clínico dos Açores condenado por pedofilia e a exercer. “A Ordem nada pôde fazer porque o tribunal não inabilitou porque entendeu que quando foi pedófilo não actuava como médico”. Mas quantos casos há de facto? Miguel Leão assume que além dos Açores só o de Ferreira Diniz, no âmbito da Casa Pia, é do conhecimento público, ainda que assuma mais casos “residuais” a sul.
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, também cita os mesmos dois e reconhece que o assunto não está centralizado e que não há propriamente uma lista. Miguel Leão acrescenta que o objectivo é sobretudo suscitar o debate e evitar que a actual legislação continue a ser ineficaz ao dar este tipo de margem. De todas as formas, à Ordem não chegou nenhum pedido concreto por parte das autoridades judiciais, mas o CNEDM acordou pedir uma audiência informar à ministra da Justiça.
Aliás, a proposta do CNEDM, a que o PÚBLICO teve acesso, lembra que Portugal subscreveu a Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, aprovada em 2007 e conhecida como Convenção de Lanzarote. A própria legislação nacional explicita que os pedófilos devem ser afastados de profissões que envolvam “contacto regular com menores”, mas na prática isso não é garantido. “Esperar-se-ia, assim, que após condenação judicial por pedofilia, se procedesse de imediato ao afastamento dos criminosos do exercício de actividades profissionais que implicassem contacto com crianças por um período mínimo de 23 anos”, diz o documento. O pedido de cadastro criminal acaba por praticamente só funcionar para novas contratações e não para quem já está a trabalhar nos hospitais, salienta Miguel Leão.
A ideia diz o médico, remetendo para a proposta interna, é que “com fundamento no princípio da protecção dos doentes, da protecção do próprio médico inabilitando e dos valores fundamentais da medicina como sejam a confiança, a beneficência, a não maleficência e a autodeterminação” que a Ordem dos Médicos passe a poder determinar que “um médico comprovadamente pedófilo seja inabilitado especificamente para prestar assistência a menores”. A revisão permitira que houvesse uma suspensão específica para quem cometeu crime de pedofilia durante 23 anos.